Uma pequena pista revelada em abril parecia capaz de mudar o Universo como o conhecemos. Astrônomos detectaram apenas um indício, um vislumbre de duas moléculas girando na atmosfera de um planeta distante chamado K2-18b — que, na Terra, são produzidas apenas por organismos vivos.
Era uma perspectiva tentadora: a evidência mais promissora até então de uma bioassinatura extraterrestre, ou seja, vestígios de vida ligados à atividade biológica. Mas, apenas algumas semanas depois, novas descobertas sugerem que a busca deve continuar.
“Foi empolgante, mas imediatamente levantou várias bandeiras vermelhas, porque uma alegação de possível bioassinatura seria algo histórico, mas a significância ou a força da evidência estatística parecia exagerada para os dados”, disse o Dr. Luis Welbanks, pesquisador de pós-doutorado na Escola de Exploração da Terra e do Espaço da Universidade Estadual do Arizona.
Embora as moléculas identificadas no planeta K2-18b pelo estudo de abril — dimetil sulfeto (DMS) e dissulfeto de dimetila (DMDS) — estejam amplamente associadas a organismos microbianos em nosso planeta, os cientistas destacam que esses compostos também podem se formar sem a presença de vida.
Agora, três equipes de astrônomos que não participaram da pesquisa original, incluindo Welbanks, reavaliaram os modelos e dados usados na descoberta inicial e obtiveram resultados bem diferentes, que foram submetidos à revisão por pares.
Enquanto isso, o autor principal do estudo de abril, Nikku Madhusudhan, e seus colegas realizaram pesquisas adicionais que, segundo eles, reforçam a descoberta anterior sobre o planeta. É provável que novas observações e estudos feitos por diversos grupos de cientistas estejam a caminho.
A sucessão de artigos sobre K2-18b oferece um vislumbre do processo científico acontecendo em tempo real. É uma janela para as complexidades e nuances de como os pesquisadores buscam evidências de vida além da Terra — e mostra por que o nível de exigência para comprovação é tão alto e difícil de ser alcançado.
Dados ruidosos
Localizado a 124 anos-luz da Terra, o K2-18b é amplamente considerado um alvo promissor na busca por sinais de vida. Acredita-se que seja um mundo hycean, um planeta totalmente coberto por água líquida com uma atmosfera rica em hidrogênio, segundo pesquisas anteriores lideradas por Madhusudhan, professor de astrofísica e ciência de exoplanetas no Instituto de Astronomia da Universidade de Cambridge.
Por isso, o K2-18b chamou rapidamente a atenção como um lugar potencialmente habitável fora do nosso Sistema Solar.
Convencidos do potencial do planeta, Madhusudhan e seus colegas de Cambridge utilizaram observações feitas pelo maior telescópio espacial em operação, o Telescópio Espacial James Webb, para estudá-lo mais a fundo. Mas dois cientistas da Universidade de Chicago — Dr. Rafael Luque, pesquisador de pós-doutorado no departamento de astronomia e astrofísica, e Michael Zhang, bolsista pós-doutoral 51 Pegasi b / Burbidge — notaram alguns problemas no que foi descoberto.
Ao revisar o artigo de abril da equipe de Madhusudhan, que complementava uma pesquisa de 2023, os estudiosos perceberam que os dados do telescópio Webb pareciam “ruidosos”, disse Luque.
Ruído, causado por imperfeições no intrumento e pela taxa com que diferentes partículas de luz o atingem, é um dos muitos desafios que os astrônomos enfrentam ao estudar exoplanetas distantes. O problema pode distorcer as observações e introduzir incertezas nos dados, explicou Zhang.
Tentar detectar gases específicos nas atmosferas desses corpos aumenta ainda mais essa incerteza. As características mais evidentes de um gás como o dimetil sulfeto derivam de ligações entre moléculas de hidrogênio e carbono — uma conexão que pode se esticar, dobrar e absorver luz em diferentes comprimentos de onda, dificultando a identificação precisa de um composto, disse Zhang.
“O problema é que basicamente toda molécula orgânica tem uma ligação carbono-hidrogênio”, explicou ele. “Existem centenas de milhões dessas partículas, e seus espectros são muito semelhantes. Se você tem dados perfeitos, pode até distinguir entre elas. Mas, se os dados são imperfeitos, muitas moléculas, especialmente as orgânicas, vão parecer iguais, principalmente no infravermelho próximo.”
Ao se aprofundarem mais no artigo, Luque e Zhang também notaram que a temperatura percebida do planeta havia subido de forma acentuada: de cerca de -23,15 ºC a 26,85 ºC na pesquisa publicada em 2023, para 148,85 ºC no estudo de abril.
Temperaturas tão altas poderiam mudar a forma como os astrônomos avaliam a habitabilidade do planeta, disse Zhang, especialmente porque ambientes mais frios persistem na parte superior da atmosfera — área que o Webb consegue observar — e a superfície ou o oceano abaixo provavelmente seriam ainda mais quentes.
“Isso é apenas uma inferência com base na atmosfera, mas certamente afeta como pensamos sobre o planeta como um todo”, disse Luque.
Parte do problema, segundo ele, é que a análise de abril não incluiu dados coletados por todos os três instrumentos do Webb usados pela equipe de Madhusudhan nos últimos anos. Então Luque, Zhang e seus colegas fizeram um estudo combinando todos os dados disponíveis para verificar se poderiam obter os mesmos resultados ou até encontrar uma maior concentração de dimetil sulfeto.
Eles encontraram “evidências insuficientes” da presença das duas moléculas na atmosfera do planeta. Em vez disso, a equipe identificou outras moléculas, como o etano, que poderiam corresponder ao perfil espectral observado. Mas o etano não indica presença de vida.
Evidência desaparecendo
Welbanks e seus colegas da Universidade Estadual do Arizona, incluindo o Dr. Matt Nixon, pesquisador de pós-doutorado no departamento de astronomia da Universidade de Maryland, também encontraram o que consideram um problema fundamental no estudo de abril sobre K2-18b.
A preocupação, segundo Welbanks, era com o modo como Madhusudhan e sua equipe construíram os modelos para mostrar quais compostos poderiam estar presentes na atmosfera do planeta.
“Cada molécula foi testada individualmente contra a mesma linha de base mínima, o que significa que cada modelo tinha uma vantagem artificial: era a única explicação permitida”, explicou Welbanks.
Quando a equipe de Welbanks expandiu o modelo usado no estudo original, as evidências de dimetil sulfeto e dissulfeto de dimetila “simplesmente desapareceram”, disse ele.
“(Madhusudhan e colegas) não permitiram a presença de outras espécies químicas que poderiam estar produzindo os sinais detectados”, completou Nixon. “O principal objetivo do nosso trabalho foi verificar se outras moléculas poderiam se ajustar adequadamente aos dados.”
O peso da prova
Madhusudhan acredita que os estudos publicados após o artigo de abril são “muito encorajadores” e promovem “uma discussão saudável sobre a interpretação dos nossos dados sobre K2-18b”.
Ele revisou o trabalho de Luque e Zhang e concordou que os resultados deles não mostram uma “detecção forte de DMS ou DMDS”. Quando sua equipe publicou o artigo em abril, disse que as observações alcançaram um nível de significância de três sigma, o que indica uma probabilidade de 0,3% de que as detecções tenham ocorrido por acaso.
Para uma descoberta científica considerada altamente improvável de ter ocorrido por acaso, é necessário alcançar o nível de cinco sigma, ou seja, uma probabilidade inferior a 0,00006%. Alcançar esse nível exigirá muitos passos, disse Welbanks, incluindo detecções repetidas da mesma molécula com vários telescópios e a exclusão de fontes não biológicas.
Embora essa evidência possa ser encontrada ainda em nossa vida, é menos provável que ocorra como um momento “eureka” e mais como uma construção lenta de consenso entre astrônomos, físicos, biólogos e químicos.
“Nunca alcançamos esse nível de evidência em nenhum de nossos estudos”, escreveu Madhusudhan por e-mail.
“Encontramos apenas algumas no nível de até 3 sigma em nossos dois estudos anteriores (Madhusudhan et al. 2023 e 2025). Chamamos isso de evidência moderada ou indícios, mas não uma detecção forte. Concordo com a alegação (de Luque e Zhang), que é consistente com o nosso estudo, e discutimos amplamente a necessidade de dados mais fortes.”
Em resposta à pesquisa da equipe de Welbanks, Madhusudhan e seus colegas de Cambridge elaboraram um novo artigo expandindo a busca em K2-18b para incluir 650 tipos de moléculas. A nova análise foi submetida à revisão por pares.
“Essa é a maior busca por assinaturas químicas em um exoplaneta até hoje, usando todos os dados disponíveis de K2-18b e buscando entre 650 moléculas”, disse Madhusudhan. “Descobrimos que o DMS continua sendo uma molécula candidata promissora nesse planeta, embora mais observações sejam necessárias para uma detecção definitiva, como já indicamos em nossos estudos anteriores.”
Welbanks e Nixon ficaram satisfeitos que as preocupações tenham sido abordadas, mas consideram que o novo artigo na prática recua em relação às alegações centrais do estudo de abril.
“O novo artigo admite, ainda que de forma implícita, que a detecção de DMS/DMDS não era robusta, e mesmo assim continua a se basear em uma estrutura estatística falha e numa leitura seletiva de seus próprios resultados”, afirmou Welbanks por e-mail. “Embora o tom seja mais cauteloso (às vezes), a metodologia continua a obscurecer o real nível de incerteza. A significância estatística alegada nos trabalhos anteriores foi produto de decisões arbitrárias de modelagem que não são reconhecidas.”
Luque disse que o novo artigo da equipe de Cambridge representa um passo na direção certa ao explorar outras possíveis bioassinaturas químicas. “Mas acho que foi limitado em seu escopo”, disse ele. “Acho que se restringiu demais a ser uma réplica ao artigo do (Welbanks).”
Apesar das divergências, os astrônomos que estudam K2-18b concordam que continuar a pesquisa sobre o exoplaneta contribui para o avanço científico.
“Acho que é apenas um bom e saudável debate científico sobre o que está acontecendo com esse planeta”, disse Welbanks. “Independentemente do que qualquer grupo individual diga agora, ainda não temos a bala de prata. Mas é justamente por isso que isso é empolgante, porque sabemos que estamos mais perto do que jamais estivemos (de encontrar uma bioassinatura), e acho que podemos chegar lá ainda em nossa vida. Mas neste momento, ainda não chegamos. E isso não é um fracasso. Estamos testando ideias ousadas.”
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