
Pedidos de venezuelanos eram maioria desde 2015, mas cenário mudou em 2025, segundo dados do Painel da Migração, do Ministério da Justiça e Segurança Pública. De janeiro a março deste ano, foram 9.467 solicitações de refúgio de cubanos e 5.794 pedidos feitos por venezuelanos. Cubanos migram para o Brasil em busca de melhores condições de vida
Os pedidos de refúgio feitos ao Brasil por cidadãos de Cuba ultrapassaram os da Venezuela pela primeira vez em 10 anos. No primeiro trimestre de 2025, foram 9.467 solicitações de cubanos e 5.794 de venezuelanos. Os dados são do Painel da Migração no Brasil, do Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP).
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👉 Refugiados são pessoas que saem de modo forçado do país de origem devido a perseguições políticas, de raça, religião, violações de direitos humanos e conflitos armados, e o retorno pode colocar a integridade física em risco.
A chegada ao Brasil acontece principalmente pela região Norte: no município de Bonfim, em Roraima, que faz fronteira com a Guiana, e por Oiapoque, cidade do Amapá na fronteira com a Guiana Francesa. Há ainda entradas pela fronteira com o Suriname, também pelo território amapaense.
Migração cubana para o Brasil no primeiro trimestre de 2025
Arte g1
Dados do DataMigra, portal vinculado ao MJSP, já indicavam o crescimento das solicitações de refúgio feitas por cubanos desde 2022. Considerando os números anuais, cidadãos de Cuba ocupam o segundo lugar em solicitações de refúgio ao Brasil, ficando atrás apenas da Venezuela.
🚶 Apesar de pedir refúgio ou migrar para o Brasil, nem todos os cubanos permanecem morando no país. Há pessoas que utilizam o território como um país de trânsito para chegar a outros lugares, como o Uruguai e os Estados Unidos, de acordo com o pesquisador João Carlos Jarochinski Silva, coordenador da Rede Internacional Migração e Refúgio (Redimir), financiada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
No entanto, a deportação em massa de imigrantes feita pelo país norte americano faz com que a procura pela região diminua.
“O Brasil acaba sendo um ponto estratégico para possibilidade de saída de Cuba, não que necessariamente essas pessoas almejem ficar aqui”, explica João, que também é professor na Universidade Federal de Roraima (UFRR), onde estuda a migração venezuelana.
Ele ressalta que atualmente a situação dos Estados Unidos envolve não só a dificuldade de entrada no país, mas o medo de, eventualmente, ser deportado. Com isso, as pessoas que enxergavam o país como um destino possível mudam de plano, o que tem provocado mudanças no cenário migratório da América Latina.
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Passaporte de Cuba
Yara Ramalho/g1 RR
Histórico de pedidos
No primeiro trimestre de 2025, o Brasil recebeu 18.193 mil pedidos de refúgio. A maioria foi de cidadãos de Cuba (52,03%), seguido da Venezuela (31,84%) e de outros países como Angola, Colômbia, Marrocos e China (veja na tabela mais abaixo).
Roraima foi o estado que recebeu o maior número de pedidos de refúgio de cubanos no Brasil: 7.506, segundo dados do DataMigra. Considerando somente os dados do estado, venezuelanos ainda são maioria (4.162 pedidos), à frente dos cidadãos cubanos (3.136 pedidos).
Além de Roraima, os estados com maior número de pedidos de refúgio foram Amapá (3.808 pedidos), São Paulo (2.284 pedidos) e Amazonas (1.025 pedidos).
➡️ Dos mais de 18 mil pedidos feitos em todo o país até março, apenas 324 foram reconhecidos pelo governo brasileiro. Outros 24 refúgios reconhecidos foram estendidos aos familiares dos solicitantes.
Os outros foram arquivados, indeferidos ou extintos devido ao não comparecimento dos estrangeiros às entrevistas de elegibilidade, viagens não informadas e não renovação de protocolos, entre outras medidas exigidas.
De acordo com o DataMigra, 435.038 estrangeiros pediram refúgio para o Brasil entre janeiro de 2010 e abril de 2025. O ano com mais solicitações foi 2019, quando a migração venezuelana se intensificou, que teve 82.552 pedidos.
📈 Em 2024, foram 68.159 mil pedidos de refúgio no Brasil, a maioria de venezuelanos, cubanos e angolanos. Os homens foram os que mais fizeram essa solicitação no período, correspondendo a 59,09% do total (40.272), enquanto as mulheres somam 40,85% (27.846).
‘A situação do país me obrigou’
Além dos cidadãos que buscam proteção internacional — que fundamenta o pedido de refúgio — há aqueles que buscam espontaneamente melhores condições de vida no Brasil, como serviços de saúde, alimentação e emprego. Esses são os chamados migrantes. No primeiro trimestre de 2025, 118 cubanos migraram para o Brasil.
👉 Migrantes são as pessoas que escolhem se deslocar para outra região para melhorar de vida, em busca de trabalho, saúde, educação ou para encontrar os familiares. Ao contrário dos refugiados, não fogem de perseguições ou conflitos, mas migram por escolha própria.
A ilha de Cuba, localizada no norte do Caribe, enfrenta uma das maiores crises econômicas desde a revolução de 1959. Devido ao êxodo sem precedentes de cidadãos para o exterior, o governo cubano anunciou uma série de medidas para tentar reverter a situação. Em março, os cidadãos da ilha presenciaram o segundo apagão em um intervalo de apenas 4 meses.
A migrante Yanniuris Baronesa Córdoba, de 26 anos, está entre os cubanos que buscam melhores condições de vida no Brasil. Vivendo na capital de Roraima, Boa Vista, há cerca de dois meses, ela deixou o país em busca de um emprego para sustentar a filha, de 7 anos, e a mãe, que ficaram em Matanzas, cidade no Oeste de Cuba.
Yanniuris Baronesa Córdoba, de 26 anos
Caíque Rodrigues/g1 RR
No meu país, a situação é muito ruim. Lá não há água, não há trabalho. Às vezes acordo triste e tudo isso porque é difícil estar longe da minha filha, da minha mãe. Eu nunca tinha me separado, mas a situação do país me obrigou.
Em Roraima, ela regularizou a documentação migratória e conseguiu um trabalho como cozinheira em um hotel em Boa Vista após “bater de porta em porta” por mais de uma semana.
“Cheguei, fiz meus papéis, meus documentos e depois que fiz meus documentos saí para procurar trabalho. Hoje sou responsável por cozinhar, e atendo os clientes quando o que trabalha lá [na recepção] não está. Então, eu também atendo os clientes, explico tudo para eles”, disse.
Com o salário, ela tenta se manter no estado e custear as despesas da família em Cuba. O plano é se estabelecer no Brasil e trazer a mãe e a filha para o país.
“No momento, estou indo bem porque tenho meu trabalho e se eu for bem, continuo aqui porque meu propósito é ajudar minha família que está em Cuba. Minha menina, minha mãe. Tenho que enviar dinheiro para elas e no futuro quero atravessar minha menina e minha mãe para cá”, explicou.
Anireisy Calderon, de 20 anos
Caíque Rodrigues/g1 RR
Também fugindo do desemprego, a jovem Anireisy Calderon Batista, de 20 anos, migrou de Havana, capital de Cuba, junto com a filha, de 2 anos, a mãe, de 36, e a irmã, de 15. Elas chegaram em Boa Vista em fevereiro de 2025.
A família vive em um apartamento alugado, mantido com o salário da jovem, que trabalhava no mesmo hotel que Yanniuris. Porém, ela foi demitida no dia 23 de maio.
“Em Cuba não há nada e não nos respeitam. Não respeitam os nossos direitos, não nos pagam, nada. A comida está muito cara, subiu de preço. Não há luz. Agora não sei como vou fazer, é um pouco difícil procurar trabalho aqui”, disse Anireisy, logo após ser demitida.
Contratação de cubanos no Brasil
Entre as motivações para deixar o país de origem está a busca por oportunidades de trabalho no Brasil. De 2011 a fevereiro de 2025, 47.941 cubanos foram contratados em todo o país. No mesmo período, 32.759 foram demitidos, um saldo de 15.182 contratados, de acordo com dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged).
💼 Nos dois primeiros meses de 2025, foram 5.158 contratações de cubanos em todos o país. A maioria ocorreu no Paraná (1.905), em Santa Catarina (1.283) e São Paulo (833).
Eles atuam nos setores da agropecuária, administração pública, educação, saúde, serviços sociais, construção, indústria, comércio e outros serviços.
Em Roraima, foram 126 cubanos contratados por meio do Sistema Nacional de Emprego (Sine) do estado, de janeiro até o dia 21 de maio de 2025. O número é maior do que o registrado durante todo o ano de 2024, quando foram 99 contratações, e representa um aumento de 1700% quando comparado ao número de cubanos empregados em 2022: sete.
No mesmo período de 2025, foram 1.798 venezuelanos contratados no estado, uma queda de 28,9% se comparado ao ano passado, quando foram 2.531.
Rua de hotéis em Boa Vista, onde migrantes cubanos se hospedam e trabalham
Caíque Rodrigues/g1 RR
Em busca de uma vaga de emprego, a cubana Yamile Fajado, de 38 anos, migrou para o Brasil no dia 19 de maio de 2025, e entrou pela fronteira em Roraima. A viagem foi feita de avião até a Guiana, e depois de carro até Boa Vista.
Acompanhada do marido, de 31 anos, ela saiu da cidade de Pinar del Río e deixou os dois filhos pequenos aos cuidados dos pais dela. Em Cuba, sem oportunidades de trabalho, ela era dona de casa.
“[Viemos para o Brasil] para melhorar, melhorar a economia, a saúde e ajudar minha família. Eu quero trabalhar. A situação em Cuba é ruim, tem muita falta de eletricidade e outras coisas, a economia está muito ruim, não há medicamentos”, contou.
Vivendo em um hotel para latinos em uma rua hoteleira no bairro São Vicente, zona Sul de Boa Vista, o casal aguarda pela regularização da documentação migratória para viajar para Curitiba, no Paraná. Lá, eles vão encontrar uma amiga conterrânea, que deve ajudá-los a conseguir um emprego.
Yamile Fajado, de 38 anos
Caíque Rodrigues/g1 RR
Política de acolhimento
De acordo com o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (Acnur), que acompanha a situação de refugiados em todo o mundo, 122,6 milhões de pessoas foram descoladas à força no planeta até junho de 2024, um aumento de 5% em comparação com 2023. O Brasil é um dos destinos desses refugiados, escolhido devido à política de acolhimento para migrantes e refugiados.
“O Brasil tem uma política de acolhida garantidora de direitos. Então, uma vez que a pessoa adentre o território brasileiro e solicite a condição de refugiado, ela já tem acesso, por exemplo, a carteira de trabalho, documentação, aos serviços de políticas públicas como hospitais, educação e por aí vai. Então, esse é um é um fator considerável”, explicou Miguel Pachioni, oficial de comunicação da agência, em entrevista ao g1.
No caso dos cubanos que migram, outro fator é a presença de uma comunidade cubana no Brasil, estabelecida principalmente pela chegada de cubanos por meio do programa Mais Médicos, criado em 2013 para ampliar o número de profissionais de saúde em áreas de baixo desenvolvimento econômico e no interior do país, e relançado em 2023 pelo governo federal. Com isso, familiares dos que já estão estabelecidos no Brasil migram.
“Há uma tendência maior de pessoas chegarem a um determinado país quando há, de fato, uma construção social de pessoas dessa mesma nacionalidade existente no território brasileiro”, ressaltou Miguel.
A entrada no Brasil pode acontecer de forma aérea, terrestre ou por embarcações que navegam no rio Oiapoque, na fronteira entre o Brasil e a Guiana Francesa, no extremo norte do Amapá.
“São poucas as pessoas que chegam diretamente ao território brasileiro por meio de voos, embora isso também esteja em uma crescente. Mas, muitos compram as passagens ali por companhias aéreas que vão até Suriname, Guiana. E no caso do Suriname, tem um dificuldade a mais que é o fato de ter que cruzar toda a Guiana Francesa. Muitas vezes esse deslocamento não se dá de forma segura. Por barco, é um deslocamento bastante dificultoso para que possam chegar ao Brasil por meio do [rio] Oiapoque”, explicou Matheus.
Ao entrar no Brasil, eles precisam passar pelo Posto de Triagem (Ptrig) da Polícia Federal e regularizar a documentação migratória. Alguns, no entanto, entram no país de forma irregular.
Em abril deste ano, 18 cubanos foram detidos no município de Bonfim. Eles eram transportados em um comboio formado por três carros conduzidos por brasileiros. Os “coiotes”, pessoas que guiam os estrangeiros em troca de dinheiro, foram presos por promover a migração irregular.
Esse foi o segundo caso em menos de seis meses no estado. Em dezembro de 2024, dois homens foram presos ao serem flagrados promovendo a migração ilegal de mais de 40 cubanos também na fronteira de Bonfim.
Em novembro do ano passado, uma mulher cubana, de 69 anos, morreu após o carro em que ela estava capotar na BR-401, no município de Bonfim. Outros seis cubanos, dentre eles três crianças, ficaram feridos. A suspeita é de que eles eram transportados por um coiote, que fugiu.
No caso dos migrantes venezuelanos, a entrada acontece por Pacaraima, município roraimense na fronteira do Brasil com a Venezuela. Lá, eles passam pelo posto de triagem, onde têm acesso aos trâmites para regularização.
De janeiro a março de 2025, quase 15 mil venezuelanos entraram com pedido de cadastro para a emissão de Registro de Nacional Migratório no país, de acordo com dados do Sistema Nacional de Registro Migratório (Sismigra).
Se confirmada a situação de vulnerabilidade social, eles são alojados em um dos sete abrigos geridos pela Operação Acolhida, força-tarefa criada em 2018 pelo governo federal para atender venezuelanos que entram no Brasil. O trabalho é comandado, majoritariamente, pelo Exército Brasileiro.
Desde janeiro de 2017, quando o governo federal passou o monitorar o fluxo migratório, mais de 1 milhão de migrantes venezuelanos entraram no Brasil. No início da migração, muitos dormiam nas ruas e brasileiros chegaram a destruir acampamentos improvisados, montados na fronteira.
Segundo o pesquisador João Carlos, Roraima não deve enfrentar um novo intenso fluxo migratório com a chegada de cubanos ao país. Por não fazer fronteira com Cuba, como é caso com a Venezuela, a dinâmica de ingresso não é tão efetiva.
“Os cubanos, para chegarem aqui, tem essa dificuldade de possibilidades, de deslocamento, isso faz também com que eles olhem para outros destinos. Os venezuelanos, dada praticamente a incapacidade de saída, acabavam pensando na Colômbia e no Brasil como essas rotas de saída. Então, não dá para a gente pensar numa nova dinâmica de ingresso como a gente teve em alguns momentos em relação aos venezuelanos”.
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