
Traficantes trocam mensagens sobre veículo com maconha que foi interceptado pela Polícia Rodoviária Federal em 2023. Áudios revelam como policiais exigiram propina para liberar caminhão com maconha
Áudios obtidos com exclusividade pelo Fantástico revelam os bastidores de uma negociação milionária para liberar um caminhão com 10 toneladas de maconha. O caso aconteceu em 2023, mas as mensagens só vieram à tona no programa deste domingo (8).
“Os polícia tão pedindo R$ 2 milhão para soltar a mercadoria, eles querem dar R$ 1 milhão e meio, eles estão pedindo dois”, diz uma mulher sobre a interceptação da Polícia Rodoviária Federal. A voz é de Lucinara Koerich, esposa de um dos traficantes envolvidos, em um dos áudios
A droga, encomendada pelo Comando Vermelho, foi interceptada, mas acabou liberada após o pagamento de propina a policiais civis. A carga saiu do Mato Grosso do Sul com destino ao Rio de Janeiro. A nota fiscal indicava frango congelado, mas o conteúdo era outro: 10 toneladas de maconha.
Os dois continuaram conversando: “cheguei aqui agora, amor. Tava lá falando com o Doca e com o Pezão”, diz Carlos. Doca e Pezão são as duas principais lideranças do Comando Vermelho.
Traficante Carlos Alberto Koerich fala com a esposa sobre a interceptação do caminhão.
Reprodução/TV Globo
“Aqui é complexo do Alemão, tem PM que, dentro da favela, nós passa na frente e nem olha, os cara passam com fuzil. Aqui, para eles entrarem, é bravão, pô. Aqui é gigante, cara”, diz Carlos Alberto Coerique em conversa com Lucinara, sua esposa.
“Tô no maior desenrole com o cana aqui, amor. Pegaram o caminhão ali na Serra das Araras”, explica Carlos à esposa em uma mensagem de áudio.
“O que houve foi uma negociação para pagamento de valores em troca da liberação da droga”, afirma o promotor de Justiça Fabiano Oliveira. O delegado Pedro Duran, da Polícia Federal, explica que os policiais civis usaram o celular do motorista para falar com advogados da facção.
Os áudios ainda mostram como advogados de criminosos participaram da negociação. Segundo a polícia, os advogados Leonardo Silvestre Galvão e Jackson da Fonseca fizeram a ponte entre os chefes do Comando Vermelho e os policiais civis para acertar o pagamento da propina e a entrega da droga.
“Quem foi lá foi eu e o dr. Leonardo. Ele que foi na madrugada e eu que fui lá depois deixar tudo na cara do gol sem goleiro. Limpei tudo, deixei tudo no esquema já para todo mundo se ajuntar. A gente que fez essa correria”, diz Jackson.
O acordo previa que 10% da propina ficaria com os advogados. Mas, segundo Jackson, o combinado não foi cumprido. “E ele também tinha falado comigo: ‘Doutor, independente de quem trouxer, o teu e o doutor Leonardo, eu vou separar aqui, entendeu?’ Ficou combinado isso. Chegando a hora os cara levaram tudo, mano. Os cara são sujão, isso que é verdade. Não botaram nem a cara, pô. A gente que fez a correria lá, que agilizou tudo, não tem consideração nenhuma pelo colega”, continuou Jackson.
Para liberar o caminhão, o policial civil Deyvid da Silveira escreveu à mão um resumo da missão, afirmando que “nada foi encontrado” e que o motorista foi liberado. “Efetivamente, a carga chegou ao destino, mediante o pagamento desse valor e abasteceu as comunidades da região”, afirma o delegado Pedro Duran.
“O que houve foi uma negociação para pagamento de valores em troca da liberação da droga”, afirma o promotor de Justiça Fabiano Oliveira.
Para liberar o caminhão, o policial civil Deyvid da Silveira escreveu um resumo da missão, afirmando que “nada foi encontrado” e que o motorista foi liberado. “Efetivamente, a carga chegou ao destino, mediante o pagamento desse valor e abasteceu as comunidades da região”, afirma o delegado Duran.
Após a entrega no Complexo do Alemão, o caminhão voltou para o Sul e foi parado novamente. Desta vez, a Polícia Rodoviária Federal encontrou fragmentos de maconha suficientes para um exame pericial. “Foi o que permitiu comprovar que a carga era entorpecente”, diz o promotor.
Foram presos:
os policiais civis Juan Felipe Alves, Renan Guimarães, Alexandre Amazonas, Eduardo de Carvalho e Deyvid da Silveira;
o policial militar Laercio de Souza Filho;
e os advogados Leonardo Galvão e Jackson da Fonseca.
Todos, com exceção de Jackson, foram soltos após decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que entendeu que não havia provas do tráfico, já que o caminhão foi encontrado vazio. Eles agora respondem em liberdade, apenas por corrupção.
Carlos Koerich, Lucinara Koerich e Marcelo Bertoldo continuam presos por tráfico e organização criminosa.
O Fantástico entrou em contato com as defesas de Laercio de Souza Filho, Renan Guimarães, Leonardo Sylvestre Galvão e Alexandre Amazonas, mas eles preferiram não se manifestar no momento.
A defesa de Juan Felipe Alves informou, em nota, que “a decisão do Superior Tribunal de Justiça restabeleceu a justiça e a verdade processual”.
Também foi tentado contato com Eduardo de Carvalho, Deyvid da Silveira, Jackson da Fonseca, Carlos Alberto Koerich, Lucinara Koerich e Marcelo Luiz Bertoldo, e não foi obtida resposta.
A Corregedoria da Polícia Civil informou que os servidores seguem afastados e respondem a processo administrativo que pode levar à demissão.
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