Espécie de aranha que ‘imita’ formigas é registrada viva pela 1ª vez no Pará


Comportamento de mimetismo já havia sido proposto por cientista há 20 anos, mas só agora foi confirmado em imagens e vídeo no Brasil. Aranha que imita formiga foi registrada no Pará
César Favacho
Uma cena curiosa e inédita foi registrada em plena floresta amazônica: uma pequena aranha que se move e se comporta como uma formiga. A espécie Tapixaua callida, descrita pela primeira vez em 2000 a partir de exemplares de museus, nunca havia sido observada viva — até que o pesquisador César Favacho a encontrou por acaso no município de Paragominas, no Pará. O flagrante ajudou a confirmar uma hipótese científica que esperava há duas décadas para ser testada.
O “mistério” da aranha com pernas de formiga
No ano 2000, o aracnólogo Alexandre Bonaldo, do Museu Paraense Emílio Goeldi, descreveu um novo gênero de aranha com base em materiais preservados em coleções científicas. O que mais chamou a atenção foi um tufo de pelos no primeiro par de pernas do animal, algo incomum entre os aracnídeos.
Bonaldo suspeitou que essas cerdas modificadas poderiam imitar a cabeça de uma formiga, ajudando a aranha a evitar predadores. Mas, como os exemplares estavam preservados e nunca haviam sido vistos vivos, a ideia seguiu como hipótese.
Encontro inesperado no meio da trilha
Quase vinte anos depois, o pesquisador César Favacho teve uma surpresa enquanto esperava o carro ser consertado no meio de uma trilha em Paragominas. “Fiquei olhando o mato ao redor, sem procurar nada específico. E foi assim que encontrei a aranha”, conta.
A aranha Tapixaua callida se alimenta de pequenos insetos ou até outras aranhas
César Favacho
Só algum tempo depois ele descobriria a importância do achado: era a Tapixaua callida, a mesma aranha descrita por Bonaldo, mas pela primeira vez vista viva. E mais — o comportamento que o cientista havia previsto foi registrado em vídeo.
Mimetismo ‘Deelemaniano’
As imagens mostraram que a aranha anda de maneira pausada e, quando para, estica as pernas dianteiras para frente, mexendo apenas as extremidades, como se fossem antenas de formiga. Os tufos de pelos permanecem parados, simulando a cabeça do inseto.
Esse tipo de disfarce, que mistura aparência e comportamento, foi batizado de mimetismo Deelemaniano, em homenagem à aracnóloga Christa Deeleman-Reinhold, que havia observado algo semelhante em uma aranha asiática chamada Pranburia mahannopi, em 1993.
O mais interessante é que, embora as duas espécies pertençam à mesma família (Corinnidae), elas não são próximas entre si, o que caracteriza um caso clássico de convergência evolutiva — quando diferentes espécies desenvolvem estratégias parecidas para enfrentar os mesmos desafios na natureza
Mas por qual motivo uma aranha imitaria uma formiga? “As formigas normalmente possuem várias defesas, como a mordida, o ferrão de algumas espécies, e também o ácido que algumas liberam. Por isso, muitos predadores evitam se alimentar delas. Provavelmente é devido a esses fatores que algumas espécies imitam as formigas”, esclarece Favacho.
Além de confirmar a hipótese comportamental, o novo artigo científico produzido por Favacho e a bióloga Cláudia Xavier também ampliou os registros da Tapixaua callida.
“Ampliamos o conhecimento da distribuição geográfica do táxon para mais regiões do Peru e do Brasil, além da espécie ser registrada pela primeira vez para a Colômbia e para a Bolívia. Para isso fizemos um mapa com todos os registros obtidos até então”, diz Claúdia.
Tem veneno? E nome popular?
Como todas as aranhas, a Tapixaua possui glândulas de veneno, mas sua peçonha é inofensiva para os seres humanos, servindo apenas para capturar presas como insetos e outras aranhas. A espécie segue ainda sem nome popular, e os pesquisadores brincam que aceitam sugestões.
Sensação de descoberta
Para Favacho, encontrar um animal nunca antes registrado vivo é algo indescritível. “Na primeira vez, eu nem sabia a importância do que estava vendo. Mas no segundo encontro, perto de uma toca, já tinha essa consciência. Posso dizer que é uma sensação única”, afirma.
No segundo encontro, a formiga estava perto de uma toca
César Favacho
As descobertas foram reunidas em um artigo publicado no boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi Ciências Naturais, em parceria com o Museu Argentino de Ciências Naturais, com fotos, vídeos e novos dados sobre a história natural dessa misteriosa aranha amazônica.
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