Entre uma direita ferida e uma esquerda incapaz

O noticiário oscila: um dia, a direita empilha derrotas, seus líderes sangram em praça pública – metaforicamente, é claro. No outro, a esquerda fracassa em mais uma tentativa de ocupar o imaginário popular e recuperar seu protagonismo político, mesmo ostentando um presidente que supostamente age em seu nome.

Nós vivemos uma situação esdrúxula, onde ambos os espectros da política se mostram reiteradamente incapazes de se aprumar, de organizar o próprio campo em torno de um objetivo comum. E isso se torna particularmente crítico se levarmos em conta que as eleições de 2026 já se desenham no horizonte. 

De um lado, a direita vê boa parte de suas lideranças envolvidas em problemas com a justiça, focadas apenas em sobreviver fora das grades – algumas dessas lideranças, como Carla Zambelli e Eduardo Bolsonaro, até fugiram do país. 

Inclusive, é esse o motivo que justifica, inclusive, a demora na indicação clara de um substituto oficial para o ex-presidente Jair Bolsonaro. Pura estratégia de sobrevivência.

Entenda, leitor, leitora: se há um consenso na direita, especialmente entre os aliados do ex-presidente, de que não apenas seus direitos políticos não serão restituídos até as eleições do ano que vem, como provavelmente ele verá a ascensão de um novo presidente – ou a manutenção do atual – da cadeia. 

Sua prisão é apenas uma questão de tempo. Até ele sabe disso. 

E é justamente por isso, apenas por isso, que ele se recusa a apontar um sucessor, ou uma sucessora. Bolsonaro sabe que, ao dar a palavra final sobre quem o sucederá, vira passado em seu próprio campo. Passado e, portanto, descartável.

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Bolsonaro precisa persistir enquanto um sujeito ativo da política, e não como uma memória, um símbolo. Para ele, já que, para o seu próprio campo, seria mais do que proveitoso que o ex-capitão aceitasse a sua derrota e, por consequência, a sua “morte política para valer” – para falarmos como o próprio costuma falar.

A esperança de seus correligionários é de que de sua cova emerja uma “nova direita”, liberta das das amarras do “Bolsonaro real”, livre para reimaginá-la (e vendê-la) de uma maneira mais adequada ao gosto do eleitor brasileiro. Constituindo – com o perdão do oximoro – uma extrema-direita suavizada

Enquanto isso não ocorre, a direita permanece sem uma orientação clara sobre os rumos que tomará no próximo ano: fechará um nome único? Adotará uma imagem mais radical ou suavizada? E, sobretudo, qm será o indicado ou indicada pelo clã Bolsonaro?

Esse entrave no campo da direita seria o momento ideal para que a esquerda agisse, tomasse as rédeas do imaginário nacional e, consequentemente, o protagonismo da política brasileira. 

Mas isso não ocorre. E esse é o outro lado dessa história. 

Com efeito, enquanto a direita parece sofrer com o excesso de lideranças, de figuras que tensionam e lutam pela hegemonia do próprio campo, seja para se salvar da cadeia, seja para assumir o posto próximo arauto da agenda conservadora, a esquerda parece ter um problema oposto, a escassez de lideranças políticas. 

‘E se Lula, por um motivo ou outro, não puder concorrer no ano que vem?’

Faça um exercício simples, leitor, leitora: enquanto a direita tem pelo menos quatro candidaturas viáveis para a presidência em 2026, a esquerda tem Lula e apenas Lula. 

E se Lula, por um motivo ou outro, não puder concorrer no ano que vem, como ficariam as eleições? Teríamos um novo 2018, o ano em que o PT lançou, às pressas, a candidatura de um “tal do Andrade”, um completo desconhecido de boa parte do público, para substituir Lula na véspera? 

Isso para ficarmos apenas no quadro da disputa presidencial. Pois nesse momento, o nosso campo sequer tem uma profusão de lideranças capazes de disputar, de forma contundente, cargos no legislativo. A projeção para o Senado em 2026, por exemplo, é de uma terra conquistada pela direita. O mesmo se repete no Congresso e nas esferas estaduais. 

Fenômeno que não tem nada de novo, pelo contrário. É sintoma de um problema antigo, de uma profunda ossificação dos principais partidos políticos do campo que, pelo menos desde a década passada, vem se mostrando incapazes – ou deliberadamente incapazes – de acompanhar as novas tendências da política, focando-se apenas na manutenção de seus quadros, digamos, clássicos. 

Um fenômeno que, como já falamos nessa coluna, se estende para o próprio governo, cada vez mais ensimesmado, centralizado em Lula. Incapaz de fazer o básico, de projetar novos nomes para a liderança do próprio campo. 

Resultado: uma classe política progressista que parece cada dia mais deslocada dos principais problemas e anseios da população. Incapaz de compreender as profundas transformações que a população brasileira sofreu ao longo das últimas décadas. Que o Trabalhador – com maiúscula – que empresta o nome ao principal partido do campo progressista, hoje, já não é aquele do final dos anos 80, 90. Que a sua realidade é completamente outra.

Com efeito, pois, inclusive, esse novo trabalhador já não se comunica e, portanto, se informa da maneira como fazia no passado. Não por coincidência – como o próprio Boulos notou após a sua derrota nas municipais de 2024 – este Trabalhador, mesmo precarizado, mesmo endividado, tenha dificuldade de se reconhecer como o pobre que o campo progressista afirma defender. 

A esquerda não se comunica bem pois, em larga medida, não compreende a realidade concreta de seus possíveis eleitores.  

E, por isso mesmo, é incapaz de se aproveitar desse momento de vacilo da direita, de montar uma estratégia que não apenas garanta – ao menos – a reeleição de Lula, mas que dê ao seu governo alguma sustentabilidade institucional, diminuindo a sua dependência do famigerado Centrão. Uma dependência que só aumenta e se torna cada vez mais frágil, especialmente a cada crise. De fato, da mesma forma que a esquerda não tem uma opção verdadeiramente viável para substituir Lula, também não possui uma opção para substituir o apoio do Centrão. 

E isso é muito, muito preocupante. Uma hora, a direita irá se rearticular, será forçada, nem que pelo sabor do segundo turno das eleições de 2026, a fechar o apoio em uma única liderança. E, quando esse momento chegar, já não haverá mais tempo para se rearticular. 

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