Com o ataque israelense sem precedentes ao Irã na semana passada desencadeando um conflito crescente entre os dois Estados inimigos, a China viu uma oportunidade de se apresentar como um potencial mediador da paz – e uma voz alternativa aos Estados Unidos.
O Ministro das Relações Exteriores da China, Wang Yi, assumiu essa missão no fim de semana, conversando com seus homólogos iraniano e israelense em ligações telefônicas separadas, nas quais Wang condenou o ataque que desencadeou o conflito mais recente e telegrafou a oferta da China de “desempenhar um papel construtivo” em sua resolução.
“A China condena explicitamente a violação por Israel da soberania, segurança e integridade territorial do Irã… (e) apoia o Irã na salvaguarda de sua soberania nacional, defendendo seus direitos e interesses legítimos”, disse Wang em uma ligação telefônica no sábado (14) com o ministro das Relações Exteriores iraniano, Seyed Abbas Araghchi, de acordo com o comunicado oficial de Pequim.
A autodescrita oposição “explícita” da China ao ataque de Israel contrasta fortemente com a resposta do país à invasão da Ucrânia pela Rússia – que Pequim se recusou a condenar enquanto intensificava seus laços com Moscou.
Isso também ressalta o endurecimento das linhas geopolíticas que colocaram a China em oposição aos EUA em uma série de questões globais.
Israel lançou seu ataque aéreo contra o complexo nuclear, de mísseis e militar do Irã na manhã de sexta-feira, no que o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, chamou de uma operação para “reverter” a ameaça iraniana à sobrevivência de seu país.
Múltiplas ondas de ataques mortais lançados por ambos os lados nos dias seguintes resultaram em um número crescente de vítimas e aumentaram o risco de uma conflagração regional mais ampla que poderia envolver os Estados Unidos, que até agora apenas auxiliaram na defesa de Israel contra um ataque a mísseis e drones iranianos.
Aos olhos de Pequim, tudo isso dá amplos motivos para se manifestar abertamente sobre um conflito que se desenrola em uma parte do mundo onde o país tem trabalhado constantemente para aumentar sua influência econômica e diplomática, mas onde especialistas dizem que sua influência como mediadora permanece limitada.
“Desempenhe um papel construtivo”
Por um lado, como a política “América Primeiro” do governo Trump abalou a posição tradicional dos EUA no cenário internacional, Pequim vê uma oportunidade de expandir ainda mais sua influência. Isso é especialmente verdadeiro no contexto de países do Sul Global, onde Israel recebeu dura condenação por seu ataque contínuo a Gaza.
Pequim também é um importante apoiador diplomático e econômico do Irã e tem se empenhado em aprofundar ainda mais a colaboração nos últimos anos, incluindo a realização de exercícios navais conjuntos, mesmo buscando equilibrar esses laços com suas crescentes relações com países como a Arábia Saudita.
Autoridades chinesas há muito tempo se opõem às sanções dos EUA ao Irã e criticam a retirada dos EUA do acordo nuclear iraniano de 2015, enquanto acusam Washington de ser uma fonte de instabilidade e tensões na região.
Wang criticou veladamente os EUA em sua ligação telefônica com seu homólogo iraniano no sábado, segundo a nota chinesa sobre a ligação, dizendo que “a China também insta os países que têm influência sobre Israel a fazerem esforços concretos para restaurar a paz”.
“A China está pronta para manter a comunicação com o Irã e outras partes relevantes para continuar desempenhando um papel construtivo na redução da tensão”, acrescentou.
Em declarações ao ministro das Relações Exteriores de Israel, Gideon Sa’ar, no sábado, Wang disse que a China “instou Israel e o Irã a resolverem as diferenças por meio do diálogo” e acrescentou “que a China está disposta a desempenhar um papel construtivo no apoio a esses esforços”, segundo um comunicado chinês.
É improvável que Pequim veja benefícios no aprofundamento das tensões na região, da qual depende para obter energia e onde tem buscado se mostrar como uma potência emergente. Por exemplo, assumiu um papel surpreendente ao facilitar uma reaproximação diplomática entre os arquirrivais Arábia Saudita e Irã em 2023.
Não está claro qual papel Pequim poderia desempenhar na resolução do conflito atual, incluindo quanta influência Pequim tem sobre Teerã, mesmo com legisladores em Washington alertando sobre um “eixo” cada vez mais profundo entre China, Irã, Rússia e Coreia do Norte.
A China continua sendo, de longe, a maior compradora de energia do Irã, embora não tenha relatado compras de petróleo iraniano em seus dados alfandegários oficiais desde 2022, segundo analistas.
Este ano, os EUA sancionaram algumas entidades chinesas por seu suposto papel no comércio de petróleo iraniano, e produtos químicos de fabricação chinesa necessários para a produção de combustível para mísseis foram entregues ao Irã nos últimos meses, segundo reportagens da CNN.
Mas, quando se trata de gerenciar a direção dessa escalada de um conflito regional arraigado, é provável que atores tanto no Oriente Médio quanto nos EUA – que desempenham um papel fundamental na segurança regional – acabem por conduzir esse esforço.
Trump publicou no domingo (16) nas redes sociais que Irã e Israel “farão um acordo”, acrescentando que “muitas ligações e reuniões” estavam “ocorrendo agora”, sem fornecer detalhes.
Mas o presidente dos EUA também sugeriu que outro líder em potencial poderia ter um papel a desempenhar na mediação da paz: Vladimir Putin, com quem Trump disse ter discutido a situação em escalada no sábado.
Em entrevista à ABC News, Trump disse estar aberto à ideia de que o líder russo, cujas forças invadiram a Ucrânia e que resistiu a um cessar-fogo mediado pelos EUA naquele conflito, sirva como mediador – outro sinal da aproximação entre Washington e Moscou, que mantém relações estreitas com Teerã e condenou o ataque israelense.
“Eu estaria aberto a isso”, disse Trump. Putin “está pronto”.