Ex-assessora diz ao STF que Marielle foi “escudo” para ela e que polícia passou, mas não parou no local do assassinato

Ex-assessora da vereadora carioca Marielle Franco (PSOL), a jornalista Fernanda Chaves disse que uma viatura da polícia passou ao lado do local do crime e não parou para prestar auxílio.

Chaves, que estava ao lado de Marielle no banco de trás do veículo dirigido por Anderson Gomes, foi a única sobrevivente do atentado, ocorrido em 14 de março de 2018. Ela afirmou que não foi atingida porque o corpo da vereadora foi uma espécie de “escudo” contra os disparos.

“Eu estava muito nervosa, tive excessos de tremedeira, e ansiosa pela chegada da ambulância e passou um carro da polícia”, disse Fernanda Chaves.

Esse carro não parou. Passou um carro ao lado da cena. Essa hora, inclusive, as pessoas que estavam do meu lado lembro de falarem ‘ajuda aqui’ e o policial que dirigia fez algum comentário no sentido de que ‘não é com a gente, mas já tá vindo o carro da região’, algo no sentido de que já estava vindo algum outro carro de polícia. E foi quando uma das pessoas que estava próxima falou: ‘Mas, por favor, ela está precisando de ajuda’ e o carro passou

Fernanda Chaves

A fala foi feita em oitiva por videoconferência nesta segunda-feira (12).

O depoimento se deu no começo das audiências para ouvir as testemunhas de acusação na ação penal aberta no Supremo Tribunal Federal (STF) contra os acusados de serem os mandantes e participarem dos assassinatos de Marielle e Anderson.

Conforme Chaves, outra viatura da polícia chegou ao local momentos depois, seguida de uma viatura do Corpo de Bombeiros. Os agentes então constataram ali mesmo as mortes.

“Escudo”

A ex-assessora disse que atribuiu ao corpo da Marielle o fato de não ter sido atingida pelos tiros. As duas estavam no banco de trás do carro, voltando de um compromisso da vereadora, pela noite.

A Marielle foi meu escudo. Simplesmente, essa é uma leitura que eu faço”, afirmou. “O momento em que eu abaixei, os tiros já tinham cortado o carro

Fernanda Chaves

Segundo Fernanda Chaves, no dia do assassinato, Marielle teve a “atitude muito incomum” de se sentar no banco de trás. Normalmente, a vereadora se sentava no banco da frente, ao lado do motorista.

Milícias

Segundo Fernanda Chaves, o mandato de Marielle tinha preocupação com a defesa dos direitos humanos, e uma das principais atuações eram na área de moradia e urbanismo.

Essa atividade era desempenhada em regiões periféricas e de favela, incluindo locais considerados como “áreas de milícias”.

Conforme a ex-assessora, Marielle “se colocava claramente contra a atuação das milíciais”.

“O que ela podia fazer como vereadora para tentar brecar a atuação desses grupos criminosos, ela fazia. Se ela percebeu que algum projeto poderia favorecer as milícias, obviamente ela e a bancada do partido dela, e outros vereadores, se posicionavam contra”.

Chaves relatou que Marielle tinha experiência em atuar em regiões de milícia.

Ela relatou ocasiões em que, ainda atuando como assessora do deputado estadual Marcelo Freixo — atual presidente da Embratur –, Marielle visitava territórios considerados “perigosos” e não se identificava como sendo da comissão de Direitos Humanos, “para não ter relação direta com Marcelo Freixo, porque o Marcelo tinha presidido a CPI [das Milícias]”.

“Às vezes, ela [Marielle] falava que era defensora pública. Então, ela tinha responsabilidade, conhecia os perigos. Mas ela não temia. Era uma mulher responsável e entendia do tema”, disse a ex-assessora.

Réus

Em junho, por unanimidade, os ministros da Primeira Turma do STF tornaram réus cinco suspeitos de serem os mandantes dos assassinatos de Marielle e Anderson e de participarem do planejamento dos crimes:

  • Domingos Brazão, conselheiro do Tribunal de Contas do Rio de Janeiro (homicídio e organização criminosa);
  • Chiquinho Brazão (sem partido), deputado federal (homicídio e organização criminosa);
  • Rivaldo Barbosa, delegado da Polícia Civil do Rio de Janeiro (homicídio);
  • Ronald Paulo de Alves Pereira, policial militar apontado como ex-chefe da milícia de Muzema, na zona Oeste do Rio de Janeiro (homicídio);
  • Robson Calixto Fonseca, assessor de Domingos Brazão (organização criminosa).

A denúncia foi apresentada pela Procuradoria-Geral da República (PGR) em maio.

As audiências para oitiva de testemunhas fazem parte da etapa chamada de instrução da ação penal, em que são levantadas provas e ouvidas pessoas envolvidas no caso. Os réus também serão interrogados posteriormente.

Segundo o órgão, Marielle se tornou a principal opositora e “o mais ativo símbolo da resistência” aos interesses econômicos dos irmãos Brazão.

Mirando o mercado imobiliário irregular, Domingos e Chiquinho teriam investido em práticas de “grilagem” nas mesmas áreas de milícia em que constituíram os seus redutos eleitorais. Segundo a denúncia, as iniciativas políticas da vereadora, em assuntos ligados ao tema, “tornaram-se um sério problema” para os Brazão, e motivaram o planejamento da sua execução.

Então diretor da Divisão de Homicídios, Rivaldo Barbosa assumiu a chefia da Polícia Civil no Rio de Janeiro na véspera do assassinato de Marielle e Anderson. Rivaldo teria garantido aos Brazão que a investigação do crime seria “dificultada” caso fosse necessário.

As defesas negam as acusações, criticam a denúncia e a delação do ex-policial militar Ronnie Lessa. Também contestam o papel da Polícia Federal (PF) na investigação.

Este conteúdo foi originalmente publicado em Ex-assessora diz ao STF que Marielle foi “escudo” para ela e que polícia passou, mas não parou no local do assassinato no site CNN Brasil.

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