‘Meu prefeito’, ‘máfia das creches’, ‘ajuda de Trump’: o que marcou as eleições 2024 no Recife


Campanha eleitoral vencida por João Campos (PSB) teve favoritismo do prefeito, denúncias da oposição, memes e “santinhos colecionáveis”. Situações que se destacaram nas eleições municipais do Recife em 2024
Arte/g1
Com um candidato com mais de 60 pontos percentuais de vantagem em relação aos concorrentes nas pesquisas eleitorais durante toda a campanha, as eleições de 2024 no Recife ficaram entre a alta popularidade do prefeito reeleito João Campos (PSB) e as tentativas dos candidatos de oposição de atingirem a gestão.
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João Campos foi reeleito no último domingo (06), no 1º turno, com 78,11% dos votos válidos. Foi a maior votação para o cargo de prefeito na história do Recife. Ao todo, oito pessoas disputaram o posto.
A campanha do 1º turno começou oficialmente em 16 de agosto. Durante 50 dias, o eleitor se deparou com inúmeras sabatinas, propostas sobre a cidade, especialmente nas áreas de segurança pública, educação e habitação, além de troca de acusações, decisões judiciais no guia de rádio e TV, entre outros momentos.
O g1 reuniu os principais pontos da corrida eleitoral do Recife em 2024:
Favoritismo inabalável
Desde as primeiras pesquisas, João Campos tinha uma larga vantagem sobre os adversários. No Datafolha de 5 de julho, ele aparecia com 75%. Já na Quaest, em 28 de agosto, o candidato tinha 80% das intenções de voto. Em toda a campanha, nenhuma das pesquisas contratadas pela TV Globo com os dois institutos mostrou o prefeito com menos de 70% de intenções de voto.
Para o doutor em ciência política Antônio Torres, o candidato do PSB conseguiu uma estratégia eficiente: “O prefeito conseguiu montar uma base forte de apoio no legislativo local, garantindo a aprovação das pautas consideradas prioritárias pela gestão”, disse.
Ele explicou ainda que a falta de maiores polêmicas também colaborou com o êxito do gestor. “Isso (base forte na Câmara) também impediu ações da oposição que poderiam criar maiores desafios, como a abertura de uma CPI, em 2021, para investigar as ações do governo anterior durante a pandemia de Covid-19, ou a não aprovação de financiamentos externos para grandes obras”, afirmou.
Torres destacou ainda que a oposição não conseguiu alterar a imagem positiva do prefeito, mesmo vinculando a atual gestão ao mandato anterior, de Geraldo Julio (PSB) (2013-2020), em busca de ampliar a rejeição: “Entretanto, num contexto onde o eleitor vota mais pensando no indivíduo do que na sigla partidária, essa estratégia mostrou limitações”, explicou.
A escolha do vice e dúvidas sobre conclusão do mandato
Victor Marques, do PCdoB, foi anunciado pela Frente Popular do Recife como candidato a vice do atual prefeito, João Campos
Artur Ferraz/g1
Com o favoritismo do prefeito, a vaga de vice esteve em evidência em 2024. Nos bastidores políticos, João Campos é cotado para disputar o governo do estado em 2026. Para isso, Campos precisa renunciar ao cargo para se candidatar, o que pode fazer o vice-prefeito eleito, Victor Marques PCdoB) assumir a prefeitura e comandar a gestão municipal até o fim de 2028.
Sem lançar candidatura a prefeito do Recife pela primeira vez desde 1985, o PT pleiteou a vaga, chegando a indicar o nome do médico e ex-vereador Mozart Sales para o posto. Mas o escolhido foi acabou sendo o ex-chefe de gabinete do prefeito, Victor Marques, que se filiou ao PCdoB – partido que está na federação com o PT – no fim do prazo estabelecido pela Justiça Eleitoral.
Marques é amigo pessoal de João Campos e nunca tinha disputado uma eleição. Os dois estudaram juntos no Ensino Médio.
Quando perguntado se cumprirá todo o segundo mandato, Campos preferiu não se comprometer, nem antes da eleição e nem depois de anunciado o resultado das urnas.
“Não vou falar sobre a eleição de 2026, sobre a eleição de 2028, sobre a eleição de 2030. Vou falar sobre a eleição de 2024, falando tudo que eu fiz e me comprometendo com o que eu ainda vou fazer”, disse em agosto durante sabatina ao g1.
Nesta segunda (7), durante em entrevista á TV Globo, o agora prefeito reeleito voltou a desconversar.
“(…) Cada eleição se dá no contexto daquela eleição. É muito difícil você ter uma previsão lá na frente do que vai acontecer, como vai ser, quem vai ser candidato e quem vai deixar de ser. Só posso dizer que tenho uma gratidão gigante pela confiança em mim depositada e vou cumprir cada dia com muito trabalho e muita dedicação”, disse.
“Meu prefeito já almoçou?”
“Meu prefeito já almoçou” virou brincadeira durante a campanha
Arte/g1
Uma brincadeira surgida na internet fez parte oficialmente da campanha de João Campos. “Meu prefeito já almoçou?”, “Isso não é um prefeito, é um pai”, entre muitas outras frases colocadas nas redes sociais do gestor, foram utilizadas pelo candidato que usou o “Meu Prefeito” como lema da candidatura.
O cientista político Antônio Torres aponta esse elemento como importante dentro do projeto de João Campos: “A estratégia de atuação constante junto à população pelas redes sociais imprimiram uma imagem de que o prefeito trabalha demais. Não por acaso 91% dos eleitores em pesquisa Quaest consideraram o prefeito o candidato mais trabalhador entre os nomes que foram apresentados”, observou.
Os memes do prefeito ficaram no alvo da oposição. O candidato Daniel Coelho (PSD) fez inúmeros discursos críticos ao gestor, em que comparava a brincadeira do almoço com o número de recifenses que passam fome.
“É muito preocupante o que a gente viu nos últimos quatro anos de um modelo de publicidade de promoção pessoal, de tentar usar o atual gestor para criar um personagem”, afirmou o candidato durante sabatina ao g1 no fim de agosto.
A “máfia das creches” e propagandas suspensas
Peças da campanha de Daniel Coelho (PSD) viraram caso na Justiça Eleitoral
montagem/g1
Denunciada pela oposição ao prefeito João Campos como “máfia das creches”, as supostas irregularidades na rede conveniada de creches da prefeitura dominaram boa parte do guia eleitoral e se transformaram em uma das principais polêmicas da campanha.
O candidato que mais falou sobre o caso foi Gilson Machado (PL), que recebeu punições da Justiça Eleitoral por extrapolar “o limite da crítica política, notadamente pela ausência de provas das afirmações”, de acordo com uma das decisões da juíza da 4ª Zona Eleitoral, Nicole de Faria Neves, que retirou 293 inserções e 38 minutos no guia eleitoral do candidato bolsonarista.
Antes disso, Gilson já tinha sofrido outras punições sobre o mesmo tema e tido a propaganda eleitoral no rádio e TV suspensa três vezes em sete dias. Na reta final da eleição, a campanha de Gilson recebeu nova punição por “simular” um direito de resposta contra o prefeito João Campos (PSB) na televisão.
João Campos falou sobre o assunto durante entrevista ao Bom Dia PE desta segunda-feira (7) e defendeu o modelo de gestão adotado pela prefeitura do Recife. “Se qualquer pessoa, ou instituição não tiver cumprindo a regra, será investigado, punido”, disse.
“Instituições desde o ano passado que não cumpriram requisitos do edital foram notificadas, foram descredenciadas. O meu compromisso é com fazer mais. Prometi duplicar e vou triplicar. Vou construir mais 7 mil vagas de creche, com qualidade, com horário integral, com cinco refeições”, prometeu.
Além das creches, o embate entre João Campos e Daniel Coelho sobre o tamanho do déficit habitacional também virou caso da Justiça Eleitoral. A coligação de Campos pediu a suspensão de peças publicitárias de Daniel Coelho que, segundo o prefeito, associavam imagens de pessoas em situação de rua com dados sobre o déficit habitacional do Recife. A solicitação foi atendida pelo TRE-PE.
“Ajuda de Trump” e música africana
Candidato à prefeitura do Recife pelo PL, Gilson Machado, em entrevista à TV Globo
Reprodução/TV Globo
Segundo colocado na disputa pela prefeitura do Recife, Gilson Machado colecionou momentos curiosos durante a campanha. Durante sabatina para a Rádio Folha, no fim de agosto, ele garantiu que, caso eleito, teria apoio do ex-presidente dos Estados Unidos, Donaldo Trump, para governar.
“Eu fui recebido por Donald Trump, fiquei inclusive na casa dele hospedado, com ele, a convite dele. Tenho várias fotos sobre isso. ‘Eu vou ajudar com o que eu puder na sua gestão como prefeito do Recife, porque eu vou ser o próximo presidente dos Estados Unidos e ponto'”, afirmou Gilson durante a entrevista. O assunto viralizou nas redes sociais.
Em outro momento, o candidato também chamou atenção por cantarolar uma música quando perguntado sobre violência contra praticantes de religiões de matriz africana, durante sabatina do portal UOL, em julho.
Antes do início da campanha, em junho, Gilson Machado publicou em suas redes sociais um vídeo onde aparecia se lavando em uma pia do Aeroporto Internacional Marechal Cunha Machado, em São Luís (MA), após um show da banda Brucelose, da qual é sanfoneiro.
Desempenho da oposição e apoio da governadora
Dani Portela (PSOL), Daniel Coelho (PSD) e Gilson Machado (PL) e João Campos (PSB) no debate da Globo com candidatos à prefeitura do Recife
Reprodução/TV Globo
Segundo colocado na disputa pelo Senado em Pernambuco em 2022, Gilson Machado apostou na vinculação com o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). O candidato acabou se tornando uma espécie de “teste” para medir a força do bolsonarismo na capital.
O cientista político Antônio Torres disse que a estratégia evidenciou Gilson como nome da direita, o que foi insuficiente: “em se tratando de um pleito local, essa influência é limitada”, afirmou.
Por outro lado, para o especialista, o prefeito João Campos não se apoiou na imagem do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), mesmo com apoio formal dos petistas, para não se afastar do eleitorado bolsonarista. “Isso explica o fato do prefeito não ter vinculado fortemente sua imagem à do presidente Lula, o que poderia prejudicar mais o seu desempenho junto a esse eleitor”, disse Torres.
Sem apoio formal de Lula, Dani Portela (PSOL) mencionou diversas vezes que defende o governo do presidente e as bandeiras do governo. Para Torres, o foco era o eleitorado petista: “Ela conseguiu se posicionar como representante da esquerda na disputa. (…) É uma candidatura que indiretamente é positiva para João (Campos), que acaba ficando posicionado mais ao centro”, disse.
Já Daniel Coelho (PSD), candidato apoiado pela governadora Raquel Lyra (PSDB), obteve seu pior desempenho eleitoral em suas três tentativas de se tornar prefeito do Recife, recebendo 3,21% dos votos válidos. Ele ficou em 2º lugar em 2012, com 27,65% dos votos válidos, e em 3º lugar em 2016, com 18,59% dos votos válidos.
Para o cientista político, o desempenho do candidato não está diretamente ligado ao apoio da governadora: “São eleições distintas. (…) A maioria do eleitorado não chegou a saber que Daniel era o candidato apoiado por ela”, disse Antônio Torres, que avalia que Daniel optou por evitar apresentar o apoio da governante “devido à maior rejeição de Raquel junto ao eleitorado recifense”, completou.
Santinhos colecionáveis
João Campos exibe santinhos colecionáveis durante campanha
Arte/g1
Com uma campanha marcada pelo bom humor e a informalidade, a candidatura de João Campos chamou atenção ao lançar santinhos colecionáveis durante a corrida eleitoral. O tradicional material com foto, nome e número do político ganhou uma versão estilizada, inspirada em imagens do prefeito e com a estética das redes sociais.
Foram seis versões: o prefeito almoçando, praticando esportes, jogando futebol, “tomando banho” na fonte do Parque da Tamarineira, tocando frevo e com o cabelo “nevado” durante o carnaval. Além do material tradicional, a campanha ainda distribuiu os santinhos em formato cromado, com material brilhante.
Windbanners
Windbanners em rua no bairro da Joana Bezerra, na área central da cidade
Alice Albuquerque/g1
Se os cavaletes e as bandeiras foram destaque em eleições anteriores, em 2024 foi um outro estilo de propaganda visual que ganhou as ruas. Os windbanners (“banners de vento” na tradução livre do inglês) são bandeiras em forma de folha, feitos de tecido.
O material não é uma exclusividade das eleições e já era encontrado anteriormente em alguns estabelecimentos, como postos de gasolina e até escolas, mas fizeram parte da paisagem durante a campanha. Além dos candidatos a prefeito, inúmeros candidatos a vereador também usaram windbanners.
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