Entenda por que parques nacionais concedidos à iniciativa privada correm risco de fechar no RS


Empresa que administra os parques Aparados da Serra e Serra Geral, em Cambará do Sul, solicitou a suspensão temporária das atividades dos locais alegando prejuízos financeiros. Espaços foram concedidos em 2021 pelo governo federal. Cânion do Itaimbezinho é uma das atrações turísticas de Cambará do Sul
Prefeitura de Cambará do Sul/Divulgação
A Câmara de Mediação e Arbitragem Empresarial negou o pedido da concessionária Urbia para fechar os parques nacionais de Aparados da Serra e Serra Geral, localizados em Cambará do Sul (RS). Os parques, onde ficam os cânions da divisa entre o Rio Grande do Sul e Santa Catarina, foram concedidos à iniciativa privada em 2021.
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A empresa que administra os parques alega prejuízos financeiros na operação. Desde a concessão, a gestão dos espaços está no centro de uma polêmica que mobilizou moradores, empresários e autoridades da região.
O prefeito de Cambará do Sul, Ivan Borges (MDB), afirmou que restaurantes e pousadas do município vivem do turismo gerado pelos parques nacionais. Ele considerou “extremamente gravíssimo” o risco de fechamento das áreas.
“Se fechar os dois parques nacionais aqui em Cambará, é tu decretar o fim do turismo. Não tem saída. De forma nenhuma isso poderia acontecer”, disse.
Nesta reportagem, o g1 explica ponto a ponto a situação dos parques.
Entenda:
O que são e onde ficam os parques
Por que e quando eles foram concedidos
Quem assumiu a administração
Por que os parques podem fechar
O que foi decidido na arbitragem
O que dizem os envolvidos na polêmica
1. O que são e onde ficam os parques
Os parques nacionais de Aparados da Serra e Serra Geral ficam na divisa entre o Rio Grande do Sul e Santa Catarina, na região de Cambará do Sul, a 193 km de Porto Alegre. As duas unidades de conservação somam 30,4 mil hectares.
O parque de Aparados da Serra foi criado por decreto em 1959. O cânion Itaimbezinho, que fica nos limites da área de conservação, tem quase 6 km de extensão e uma profundidade que varia de 600 a 750 metros.
O parque da Serra Geral foi criado por decreto em 1992. O cânion Fortaleza fica no local, com 7,5 km de extensão e paredes de 900 metros de profundidade.
Cânion Fortaleza, em Cambará do Sul
Prefeitura de Cambará do Sul/Divulgação
2. Por que e quando eles foram concedidos
Os parques eram administrados pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), vinculado ao governo federal. Durante a gestão do órgão, a entrada de público era gratuita.
Em 11 de abril de 2019, o então ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles (Novo) anunciou que o governo do presidente Jair Bolsonaro iria conceder os parques à iniciativa privada.
“Tomamos uma decisão de governo para que o setor privado desenvolva o que já deveria ter sido desenvolvido há muito tempo no Brasil, o ecoturismo”, disse Salles, na ocasião.
O anúncio foi feito ao lado do governador do RS, Eduardo Leite (PSDB), que declarou que a concessão era “uma oportunidade de qualificar a infraestrutura do parque e a experiência de visitação dos gaúchos”.
A expectativa, na época, era de que o número de turistas passasse de 250 mil a 1 milhão de pessoas por ano somente no Aparados da Serra.
Em 2019, ministro visitou parques e florestas junto com governador do RS, Eduardo Leite
Reprodução/RBS TV
O edital de concessão foi lançado em 14 de outubro de 2020, também por Ricardo Salles. O governo federal previa investimentos de R$ 270 milhões ao longo de 30 anos, sendo R$ 14 milhões investidos já nos primeiros quatro anos de contrato.
Na época, o Ministério Público Federal (MPF) solicitou à Justiça a suspensão do leilão. O órgão cobrava que o governo federal elaborasse um plano de manejo ambiental para as atividades a serem realizadas nos parques. A desembargadora federal Marga Inge Barth Tessler, do Tribunal Regional da 4ª Região (TRF4), negou o pedido, dizendo ser “prematuro afirmar” que haveria “impactos significativos” que fizessem “necessário o prévio licenciamento ambiental”.
3. Quem assumiu a administração
O leilão dos parques ocorreu em 11 de janeiro de 2021. A Urbia, uma empresa do Grupo Construcap, venceu a concessão, prometendo investimentos de R$ 20,5 milhões iniciais, um ágio de 2.700% em relação ao valor mínimo, de R$ 718 mil.
O grupo seria responsável pela revitalização, modernização, operação, manutenção e gestão dos parques e deverá oferecer serviços de apoio aos turistas, incluindo alimentação, estacionamento, segurança e outros.
Com a concessão, a Urbia passou a cobrar ingressos dos visitantes. Atualmente, os valores chegam a R$ 102.
Empresa assume administração dos Parques Nacionais Aparados da Serra e Serra Geral
4. Por que os parques podem fechar
Após a concessão dos parques à iniciativa privada, a visitação começou a cair.
Comerciantes, empresários e a comunidade de Cambará do Sul afirmaram que a queda no movimento estava prejudicando a economia do município. Um dos problemas apontados é, justamente, o valor dos ingressos.
A concessionária manifestou interesse em suspender temporariamente a visitação do público aos parques alegando prejuízo financeiro com a redução do número de turistas. Há cerca de um mês, a Urbia fechou a tirolesa do cânion Fortaleza. A atração havia sido instalada no ano passado e, segundo a empresa, era a mais alta das Américas.
Tirolesa em Cambará do Sul é fechada
5. O que foi decidido na arbitragem
O pedido da Urbia foi levado à Câmara de Mediação e Arbitragem Empresarial, uma instituição que faz a mediação de conflitos entre empresas e cujas decisões têm o mesmo efeito de determinações da Justiça.
Na decisão, a árbitra de emergência Cristina Wagner Mastrobuono considerou que, mesmo sendo uma empresa privada, a Urbia não pode fechar os parques, porque eles são considerados bens públicos.
Para a mediadora, o fechamento prejudicaria não apenas os visitantes, mas todo o turismo da região, que é desenvolvido em função das áreas. Além disso, Mastrobuono apontou que o fechamento de Aparados da Serra e Serra Geral iria contra a finalidade da concessão, que é o desenvolvimento econômico da região.
Dessa forma, a visitação aos cânions continua aberta, e os ingressos seguem sendo vendidos normalmente.
No processo analisado pela Câmara de Mediação e Arbitragem Empresarial, a empresa teria pedido para não realizar as obras de melhoria exigidas como contrapartidas no contrato. Essas obras dependeriam de ações de regularização fundiária e o plano de manejo, que estariam atrasados. A mediadora aprovou o pedido para que as melhorias não sejam mais exigidas no contrato.
Negado pedido da empresa para fechar Cânions de Cambará do Sul
6. O que dizem os envolvidos na polêmica
A RBS TV entrou em contato com a Urbia, mas não obteve retorno até a atualização mais recente desta reportagem.
Sobre uma das alegações da Urbia, que o acesso aos cânions seriam precários, a Prefeitura de Cambará do Sul afirmou que a estrada municipal está com mais de 90% da pavimentação concluída.
O governo do estado, por meio do Departamento Estadual de Estradas de Rodagem (Daer), disse que mantém os trabalhos na ERS-427, que dá acesso ao cânion Itaimbezinho, e que a pavimentação deve ser concluída no fim de 2025.
O ICMBio afirmou que “reconheceu parcialmente o mérito do pedido de reequilíbrio do contrato, mas, antes da decisão final, pediu que a concessionária contratasse um verificador independente para avaliar as contas apresentas”. Em comunicado, no final de setembro, o órgão havia dito que “não apoia, em nenhuma circunstância, o fechamento dos parques localizados em Cambará do Sul”.
Obras na ERS-427, que dá acesso ao cânion Itaimbezinho, em Cambará do Sul (RS)
SELT/Divulgação
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