Comerciantes mudam rotina após a proibição da venda de moluscos do litoral de SP


Governo de São Paulo proibiu comercialização de moluscos bivalves, como mariscos, mexilhões e ostras, provenientes de Peruíbe, Cananeia, Itanhaém e Praia Grande. Manejo e alimentação com ostras é atrativo turístico na cidade de Cananeia (SP)
Sidnei Coutinho
“Enquanto isso, nós vamos nos virando”. A frase é de Sidnei Coutinho, que trabalha com manejo de ostras em uma reserva extrativista de Cananeia, no litoral de São Paulo. A cidade é uma das quatro onde o estado encontrou alta concentração de microalgas tóxicas, causadoras da “Maré Vermelha”, com potencial de contaminação a moluscos bivalves como as ostras, mexilhões e mariscos.
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Em função da descoberta no mar, o Governo de São Paulo proibiu, em todo o estado, a venda dos animais provenientes das cidades de Peruíbe, Cananeia, Itanhaém e Praia Grande, no litoral paulista. A determinação vale para os estoques de alimentos produzidos desde 30 de julho.
Equipes da Coordenadoria de Defesa Agropecuária da SAA realizaram, na terça (13) e quarta-feira (14), coletas de amostras em fazendas marinhas na região litorânea. O material será encaminhado para análise laboratorial ainda nesta semana.
Coordenador da Associação do Quilombo e Resex Mandira, Sidnei disse ao g1 que trabalha com a extração de ostras nativas do mangue em Cananeia. Ele vende os moluscos em todo o litoral paulista e, na cidade, mantém um restaurante com pratos exóticos que incluem o pastel de ostra.
Ele relatou ao g1 que, em certas épocas do ano, é comum ver o fenômeno da maré vermelha na água marinha. Mesmo que o manejo das ostras dele aconteça em área de estuário, Sidnei também acaba afetado quando há recomendações dos órgãos visando à interrupção.
Área dentro da Reserva Extrativista do Mandira, no Quilombo Mandira, em Cananeia (à esq.)
Sidnei Coutinho
Segundo ele, essa é a primeira proibição de que se lembra na cidade e o impacto é sentido, já que 80% da renda da comunidade vem da comercialização das ostras.
“A gente acaba não conseguindo comercializar […]. Enquanto isso [o resultado das análises não sai], nós vamos nos virando, trabalhando com turismo de base comunitária e apenas com visitação, não podendo oferecer a ostra no nosso cardápio”, disse ele.
Um problema similar é enfrentado por Paula Monteiro, do restaurante Ponto das Ostras, também em Cananeia. Ela soube a respeito da recomendação para o não comércio dos moluscos bivalves na última sexta-feira (9) e decidiu, temporariamente, tirar o principal atrativo do cardápio.
“O meu chamariz é muito a ostra, tanto que eu faço caipiroska de ostra, o meu carro-chefe da casa. É uma coisa totalmente exótica, caipirinha de cataia [planta] e ostra”, contou.
Ostras são o carro-chefe de restaurante em Cananeia (SP)
Paula Monteiro
Apesar de saber que o impacto para a economia do negócio é grande, ela preferiu acatar a recomendação e parar de comercializar não somente a iguaria, mas também os mexilhões.
“Eu acredito que é melhor a gente deixar a natureza se recuperar e garantir que esses produtos estejam mais seguros, mesmo que isso afete a nossa economia. Achamos melhor preservar o ecossistema de Cananeia, que é muito rico, especialmente os frutos do mar”, disse Paula.
‘A gente nem pede’
Box de Alex fica no Mercado de Peixes de Santos (SP)
Alex Vieira
Mesmo em outras cidades da Baixada Santista, incluindo Santos, a impossibilidade de vender moluscos bivalves afeta comerciantes. Alex Vieira, proprietário do Box do Santista, no Mercado de Peixes municipal, precisou readequar os produtos ofertados.
Ele explicou ao g1 que, quando há demanda, os funcionários compram as famosas ostras de Cananeia para comercializar, mas o alerta do governo estadual impossibilitou esse serviço.
Outro produto que ele parou de vender é o marisco, mas o fornecedor desse molusco fica no sul do Brasil, onde também houve ocorrência de maré vermelha. Segundo Alex, os fornecedores já sabiam sobre a possibilidade de a maré vermelha acontecer, então alertaram os clientes com antecedência.
“Afetar, sempre afeta um pouco. Mas a gente trabalha com as mesmas pessoas que fornecem marisco para nós há mais de 30 anos. Então, a gente já tinha essa informação […]. A gente já nem pede, nem vem, para a gente não ter nenhum tipo de problema”, contou.
Proibição
Após recomendar a suspensão do consumo, o governo estadual publicou um comunicado sobre a proibição do comércio de moluscos no Diário Oficial.
Segundo a nota técnica, foram coletadas amostras em praias dos municípios entre os dias 28 de julho e 5 de agosto. A concentração das microalgas estava acima do valor máximo permitido nas praias de Guaraú, em Peruíbe; Balneário Gaivotas, em Itanhaém; Canto do Forte, em Praia Grande; e, por fim, Itapitangui, em Cananeia.
De acordo com o governo estadual, a microalga pode produzir uma toxina diarreica, que tende a se acumular em organismos marinhos filtradores, como mexilhões e ostras, podendo causar intoxicações alimentares quando consumidos.
O que pode acontecer com os comércios?
Segundo o texto, os grupos de Vigilância Sanitária estadual e Vigilâncias Sanitárias municipais deverão proceder à interdição cautelar do comércio se encontrarem os estoques de moluscos bivalves, originários de Peruíbe, Praia Grande, Itanhaém e Cananeia, produzidos a partir de 30 de julho. Isso vale para qualquer comércio no estado.
O não cumprimento da determinação pode resultar em:
Advertência;
Prestação de serviços à comunidade;
Apreensão;
Interdição;
Inutilização;
Suspensão de venda ou fabricação;
Cancelamento de licença;
Proibição de propaganda;
Intervenção de estabelecimento de prestação de serviços de saúde;
Multa.
O governo estadual destacou que a liberação do comércio e consumo ocorrerá quando a fase de Alerta 2 do Plano de Contingência for revertida e o órgão responsável pela agricultura no estado se manifestar sobre a conformidade dos moluscos.
O g1 contatou o governo estadual para confirmar a duração da interdição cautelar e o que ocorrerá com vendedores ambulantes caso sejam flagrados infringindo a regra, mas não obteve retorno até a última atualização da reportagem.
🔴 Maré vermelha
Organismo que causa a chamada ‘maré vermelha’ já foi registrado na Baixada Santista; foto ilustrativa
Gisela Bello/Arquivo Pessoal
O biólogo Eric Comin explicou ao g1 que a maré vermelha é um fenômeno natural que provoca manchas de coloração escura no mar, geralmente em tom avermelhado ou alaranjado.
“Essas manchas são causadas pelo crescimento excessivo de algas, que são microscópicas, presentes no plâncton marinho, processo chamado floração”.
Segundo Comin, essas florações vão se caracterizar pelo crescimento abrupto de algumas espécies de ambientes aquáticos, formando essas manchas com coloração variadas.
De acordo com o biólogo, o fenômeno altera as condições ambientais, pois diminui o oxigênio da água, podendo causar mortalidade de peixes, além de representar riscos à saúde humana e ameaçar a balneabilidade [qualidade das águas destinadas à recreação de contato primário].
Assim, de acordo com Comin, há um acúmulo de toxinas devido a essas algas que são nocivas à saúde humana e em espécies marinhas, como é o caso de peixes e outros organismos que se alimentam de fitoplâncton. Eles podem morrer contaminados – afetando a cadeia alimentar e provocando desequilíbrio nos ecossistemas.
🐟 Por que os moluscos? E os peixes?
O biólogo William Rodriguez Schepis explicou que a intoxicação ocorre porque os moluscos filtram a água e são sésseis, ou seja, estão fixados em alguma superfície. Existem alguns peixes que também são filtrantes, mas eles acabam nadando para outro local e se afastam, o que permite evitar a contaminação.
“Eles estão ali filtrando a água de forma constante e acabam ingerindo, tendo contato com esses dinoflagelados que produzem essa toxina. É por isso que só esse tipo de organismo filtrante, séssil, que acaba sendo impactado pela maré vermelha”.
Ao g1, o biólogo Alex Ribeiro salientou que os moluscos são considerados produtores na cadeia primária de fornecimento de alimento. “Eles consomem microrganismos por meio de filtração. Então, a ostra, o mexilhão, sururu… todos esses bivalves são animais filtradores”.
Segundo ele, nesse primeiro momento, não é necessário ter preocupação com o consumo de pescados. Somente alguns animais específicos, como a estrela-do-mar, se alimentam dos moluscos bivalves. Dessa forma, é pouco provável que os peixes consumidos pelo homem diariamente estejam contaminados pela ingestão dos invertebrados.
Cetesb
Em nota, a Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb) informou que o Plano de Contingência para possível contaminação dos moluscos pela microalga Dinophysis acuminata é acompanhado de forma intersecretarial pela Secretaria de Estado da Saúde (SES), Secretaria de Agricultura e Abastecimento (SAA) e Secretaria de Meio Ambiente (Semil).
De acordo com a Cetesb, o objetivo das novas análises é averiguar se a toxina produzida pela microalga detectada está acima dos limites máximos na parte comestível dos moluscos bivalves, que englobam ostras, mexilhões, vieiras e berbigões.
Governo de SP
Em nota, a Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo (SES-SP) disse que as autoridades estaduais monitoram a possível contaminação de moluscos por uma microalga, que pode produzir toxinas perigosas. Amostras coletadas entre terça e quarta-feira são analisadas para determinar a presença de toxinas nos moluscos bivalves, como ostras e mexilhões.
De acordo com a SES, em caso de contaminação, a doença pode causar sintomas gastrointestinais nas primeiras 24h, como diarreia, dores abdominais, entre outros. Não há registros de casos confirmados de intoxicação, mas a Secretaria da Saúde orienta os municípios a notificar todos os casos suspeitos.
A Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb) informou que também está monitorando a floração das microalgas e disse que o governo estadual recomenda evitar o consumo de moluscos provenientes das quatro cidades do litoral paulista.
Prefeituras
Em nota, a Prefeitura de Praia Grande informou que está monitorando o aparecimento de microalgas Dinophysis acuminata. Até a manhã desta quarta-feira, nenhum caso suspeito de intoxicação humana relacionado a esta ocorrência foi registrado nas unidades de saúde da cidade.
“A Administração Municipal reforça que intensificará esse monitoramento pelos próximos dias e também seguirá em contato com a Cetesb. Válido explicar também que nenhuma praia da cidade foi interditada devido ao caso”, afirmou.
Em nota, o Serviço Municipal de Vigilância Sanitária de Peruíbe informou que está em monitoramento com a suspensão da comercialização, conforme comunicado da última segunda-feira (12). Até o momento, nenhum estabelecimento descumpriu as ordens sanitárias. De acordo com o setor, caso isso ocorra, será feita a interdição do estabelecimento.
O g1 entrou em contato em contato com as prefeituras de Cananeia e Itanhaém e aguarda retorno.
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