Análise: Trump tem plano para enfrentar Kamala, mas parece ser incapaz de implementá-lo

Donald Trump apareceu na Carolina do Norte, um estado decisivo, para um grande discurso sobre a economia – e um de seus comícios descontrolados teve início.

Mas, entre os insultos, provocações, raiva e mentiras, o ex-presidente tropeçou naquilo que ele vinha buscando há dias: uma estratégia para enfrentar a vice-presidente Kamala Harris.

O ex-presidente subiu ao palco na quarta-feira (14) com comentaristas republicanos ansiosos por sinais de que ele teria se estabilizado após mais de três semanas de fúria e desorientação depois que o presidente Joe Biden desistiu da corrida de 2024.

Quem esperava por uma virada elusiva de Trump ficaria desapontado, como costuma acontecer, pois ele rotulou Kamala Harris de “louca” e “não inteligente”, ao mesmo tempo em que zombava de sua risada com ataques sexistas e intensificava sua demagogia sobre imigração.

O ressentimento descontrolado de Trump por não estar mais concorrendo contra Biden roubou a cena de um discurso que sua campanha divulgou como um exercício sério dedicado à economia – a questão que os eleitores mais se preocupam.

Mas suas observações, pelo menos a versão roteirizada delas, ofereceram os primeiros sinais de que a campanha de Trump está começando a se estabelecer em um plano coerente, embora extremo e divisivo, para reagir contra a nova adversária nas eleições gerais.

O evento, portanto, ofereceu uma prévia de como a corrida até o dia da eleição se desenrolará após a Convenção Nacional Democrata na próxima semana.

Plano de Trump para desacelerar Kamala Harris pode acabar prejudicando a si mesmo

A nova abordagem, se Trump algum dia reunir a disciplina para implementá-la de maneira concentrada, é profundamente pessoal e projetada para destruir a ideia de que Harris, a segunda mulher a liderar uma candidatura presidencial de um grande partido, é competente para servir.

Isso envolve culpar Kamala Harris pelo flagelo da inflação e dos altos preços dos alimentos que assombraram a administração Biden, sob o novo título de “Kamalanomics” (uma junção do nome Kamala e a palavra economia em inglês).

Com Harris prevista para apresentar seu próprio plano econômico na sexta-feira (16), a equipe de Trump também deseja frustrar qualquer esforço da vice-presidente para promover sua candidatura como um novo começo para a política econômica.

Ex-presidente e candidato republicano à Presidência dos EUA, Donald Trump, em campanha em Asheville, Carolina do Norte / 14/08/2024 REUTERS/Jonathan Drake

Trump também intensificou os esforços para retratar Harris como uma liberal extrema – uma estratégia que às vezes funcionou para campanhas presidenciais republicanas no passado – em um momento em que a mídia conservadora está fazendo comparações entre ela e o senador de Vermont, Bernie Sanders.

Trump também está retratando Harris como uma vira-casaca que abandonou posições passadas sobre energia e saúde, mas que retornaria ao que ele diz ser seu passado radical se eleita.

É uma tentativa de destruir a confiança pública na nova nomeada democrata e se baseia em seu questionamento anterior sobre a identidade de Harris como mulher negra, bem como sul-asiática americana.

Nas palavras do candidato republicano à vice-presidência, JD Vance, Kamala Harris é uma “camaleoa” que muda sua política e identidade racial para se adequar à sua busca por poder.

O ex-presidente também está dobrando a aposta na política do medo, conjurando o que ele alega serem catástrofes em casa e no exterior que ocorreria se Harris fosse presidente – de uma Terceira Guerra Mundial a uma Grande Depressão.

Misturando sua visão distópica sobre imigração e crime, Trump está aproveitando a insegurança entre os americanos que lutam para manter um estilo de vida decente e que podem estar alarmados com o fato de inimigos dos EUA como China e Rússia estarem avançando.

Mas a pergunta para Trump, à medida que Harris avança, é quanto ele já se prejudicou com suas birras e alegações falsas de que a substituta de Biden na chapa democrata representa algum tipo de golpe.

Novas pesquisas estão mostrando o quanto Harris transformou dramaticamente a eleição. Em apenas três semanas, a vice-presidente desencadeou uma explosão de entusiasmo em um partido que estava desmoralizado.

E ela está consertando as lacunas na coalizão democrata que ameaçavam condenar as esperanças de um segundo mandato de Biden, especialmente entre eleitores minoritários e jovens.

Kamala Harris durante evento em Atlanta / 30/7/2024 Erin Schaff/Pool via REUTERS

A abordagem de Trump, destacando seu temperamento vulcânico e estilo pessoal feroz, parece uma maneira estranha de conquistar os eleitores suburbanos, femininos e moderados em estados decisivos que se tornaram ainda mais críticos para o resultado em novembro, agora que Harris tornou a corrida em um empate efetivo.

A grosseria dos ataques de Trump pode parecer profundamente ofensiva para algumas eleitoras. Por exemplo, Trump na quarta-feira (14) zombou novamente da risada de Harris – usando isso para sugerir que ela não é adequada para a presidência.

“O que aconteceu com a risada dela? Não ouvi essa risada há cerca de uma semana”, disse ele. “É por isso que eles a mantêm fora do palco”, acrescentou, dizendo que sua risada é “de uma pessoa louca” e “ameaçadora para a carreira”.

E por grande parte do discurso de Trump, ele parecia ainda estar se dirigindo aos eleitores da base que o adoram, em vez de tentar atrair um público mais centrista.

De fato, ele até zombou da ideia de fazer um discurso sério – talvez irritado com alguns republicanos – como o ex-presidente da Câmara, Kevin McCarthy, e a ex-oponente primária de Trump, a ex-governadora da Carolina do Sul, Nikki Haley, que o imploraram para focar.

“Este é um dia um pouco diferente, este não é um comício”, disse Trump para sua plateia. “Eles queriam fazer um discurso sobre a economia, então estamos fazendo isso como um discurso intelectual. Todos vocês são intelectuais hoje”.

Como Trump tentará desacelerar o ímpeto de Kamala Harris

Embora suas frequentes digressões tenham amenizado o impacto de qualquer ataque claro a Harris, as observações de Trump na quarta-feira (14) representaram sua tentativa mais expansiva até agora de tentar neutralizar a ameaça dela.

E é provável que sejam rapidamente aproveitadas por seus apoiadores na mídia conservadora à medida que a campanha anti-Harris acelera.

Trump avisou que pretende diminuir as conquistas, intelecto e caráter de Harris. “Ela não é uma pessoa brilhante. Ela não é uma pessoa inteligente.

Ela não é muito inteligente, mas isso é louco, não é? Não é louco? Ela foi tão desrespeitada há apenas algumas semanas, e agora é como Kamala, Kamala!”, disse ele.

O ex-presidente também está mirando Harris como uma esquerdista extrema, de alguma forma alheia à política da maioria dos americanos. “No dia 6 de novembro, ela será uma liberal de San Francisco novamente, destruindo tudo o que vê”, disse ele.

Trump está tentando fechar qualquer tentativa de Harris de se distinguir das políticas da administração Biden. “Kamala declarou que enfrentar a inflação será uma prioridade no primeiro dia. Mas o primeiro dia para Kamala foi há três anos e meio. Por que ela não fez isso?”, disse ele. “A propósito, eles são uma equipe – ela está tentando descartá-lo… não, não, eles são uma equipe”.

Kamala Harris em Michigan / 8/8/2024 REUTERS/Elizabeth Frantz

Aliado a esse esforço está uma tentativa de responsabilizar Harris diretamente pelas dificuldades econômicas de muitos americanos trabalhadores.

“Alguém aqui se sente mais rico sob Kamala Harris (e) o Joe desonesto do que se sentia durante a administração Trump? Há algo mais barato sob Kamala Harris e Joe desonesto?”, disse.

E voltando aos ataques pessoais, Trump prometeu não “deixar essa socialista incompetente e lunática continuar destruindo nossa economia por mais quatro anos”.

A campanha está argumentando que Harris retornará às suas políticas anteriores após rejeitá-las, por exemplo, proibindo o fracking ou buscando um sistema de saúde de pagador único. “Para cada posição que a falsa nova Kamala adota, a verdadeira Kamala disse exatamente o oposto”, alegou Trump.

Os republicanos têm falsamente rotulado Harris como uma “czar das fronteiras” desde que ela foi escolhida por Biden para trabalhar na solução de algumas das condições sociais e financeiras em nações da América Central que formam as causas raiz da imigração.

Isso será um ponto central da nova tentativa de derrubar a nomeada democrata. “Os imigrantes que Harris deixou entrar estão estuprando nossas mulheres e prejudicando nossos filhos e agora Kamala quer deixá-los saquear a Seguridade Social”, afirmou Trump sem base.

O ex-presidente parecia muito mais interessado em trechos do discurso que insultavam sua oponente do que nos detalhes de sua própria política econômica.

Ex-presidente dos EUA e candidato republicano à Presidência, Donald Trump / 26/07/2024 REUTERS/Marco Bello

Mas ao delinear seus planos para cortes de impostos, tarifas massivas e redução de regulamentações, ele se tornou um alvo fácil para a campanha de Kamala Harris.

“Trump não tem plano, visão e nenhum interesse significativo em ajudar a construir a classe média”, disse a campanha em nota.

Ela também apresentou um contraste do que disse serem duas agendas econômicas “muito diferentes” entre as quais os eleitores escolherão em novembro:

“Uma que constrói a classe média, versus uma que ajuda bilionários e grandes corporações às custas das famílias trabalhadoras”.

Muitos republicanos acreditam que a frustração dos eleitores com os altos preços nos últimos anos oferece a Trump uma chance inestimável de recuperar a presidência. Mas suas ações na quarta-feira (14) sugerem que ele é totalmente capaz de desperdiçar essa oportunidade.

Este conteúdo foi originalmente publicado em Análise: Trump tem plano para enfrentar Kamala, mas parece ser incapaz de implementá-lo no site CNN Brasil.

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