Ibama está à beira do colapso, diz presidente da associação de servidores

Servidores ambientais de 24 estados e do Distrito Federal começaram no fim de junho uma greve depois que o governo federal, na figura do Ministério de Gestão e Inovação, o MGI, abandonou em 7 de junho a mesa de negociação em que discutiam demandas trazidas pela categoria – como a reestruturação na carreira. 

“É o governo que está empurrando a área ambiental para a greve”, disse ao Intercept Brasil Cleberson Zavaski, presidente da Associação Nacional dos Servidores de Carreira de Especialista em Meio Ambiente e Plano Especial de Cargos do MMA e do Ibama, a Ascema. 

Com a decisão unilateral de abandonar uma negociação que já estava há oito meses em andamento, o governo não deixou outra opção aos servidores que não a paralisação, segundo Zavaski.

Porém, em 5 de julho, a Ascema anunciou a suspensão da greve após uma decisão do Superior Tribunal de Justiça que impunha multa de R$ 200 mil caso houvesse descumprimento. Em nota, a Ascema reiterou que o cumprimento da ordem judicial “não significa aceitação” e que entraria com recurso.

Cleberson Zavaski, presidente da Associação Nacional dos Servidores de Carreira de Especialista em Meio Ambiente e Plano Especial de Cargos do MMA e do Ibama, a Ascema. Foto: Bruno Spada/Câmara dos Deputados
Cleberson Zavaski, presidente da Associação Nacional dos Servidores de Carreira de Especialista em Meio Ambiente e Plano Especial de Cargos do MMA e do Ibama, a Ascema. Foto: Bruno Spada/Câmara dos Deputados

“A greve é ruim para os servidores, mas ela também é um ônus muito grande para o governo”, disse Zavaski. “Ela vai confrontar o discurso do governo que diz que a área ambiental é prioridade e na prática não trata os servidores na devida proporção do que está dizendo que valoriza a questão ambiental.”

A paralisação ocorreu num momento crucial para o Brasil. Desde maio, há um grupo de servidores mobilizados em torno da tragédia causada pelas chuvas no Rio Grande do Sul. No Centro-Oeste, a temporada de seca mal começou e o Pantanal já está em chamas. Há previsão que a seca da Amazônia seja ainda pior do que no ano passado, o que também eleva o risco de incêndios florestais. 

Zavaski alerta que, mesmo com a decisão de manter atividades que envolvem ações emergenciais durante a greve, os esforços serão insuficientes para responder as demandas nos próximos meses, graças a cortes orçamentários e falta de servidores. Segundo ele, apesar de alertas que vêm sendo feitos desde o ano passado, o governo não se preparou adequadamente para a temporada de eventos climáticos extremos. 

Leia a entrevista na íntegra:

Intercept Brasil  – Como foram os últimos meses de negociação com o governo?

Cleberson Zavaski – É importante destacar que a gente está há praticamente oito meses em um impasse. Desde quando a mesa foi instalada, em início de outubro de 2023, depois de duas paralisações nacionais e de toda uma pressão que foi escalada ainda em 2023 para retomada das negociações. O último acordo firmado entre servidores da área ambiental e o governo foi em 2015 , depois das negociações de 2014.

Temos um lapso aí de praticamente 10 anos. Esses oitos meses foram intensos, de muita pressão, e desde o dia 2 de janeiro,escalamos o movimento que levou à paralisação de atividades de campo. Esse ano nós tivemos três reuniões: uma em 1º de fevereiro, outra em  fevereiro e a última coordenada pelo Ministério de Gestão e Inovação no dia 5 de abril. No dia 7 de junho, depois de várias assembleias que analisaram a proposta que o governo apresentou no início de abril, o governo simplesmente rompeu a mesa de negociação. 

Em 7 de junho, ainda na Semana do Meio Ambiente, o MGI encaminhou ofício para a Condsef [Confederação dos Trabalhadores no Serviço Público Federal] e Ascema Nacional informando que ou os servidores acatam a proposta que o governo apresentou em abril ou não haveria mais negociação. Proposta essa que foi  reprovada por todas as assembleias realizadas ainda em abril pelos servidores da área ambiental, então o governo ao fazer isso acabou empurrando o movimento para uma escalada que foi a deflagração da greve. 

E quais são as reivindicações que vocês vêm apresentando ao governo?

A reestruturação de carreira é um foco central. A nossa carreira tem 22 anos, foi criada em 2002 e nunca teve um processo de reestruturação. Dentro dessa reestruturação tem algumas questões, dentre elas a histórica demanda dos servidores para inclusão na Lei de Fronteira, ou Lei de Difícil Lotação, que é a lei que prevê que os servidores que são lotados em locais de difícil lotação possam ter um adicional. É uma lei de 2013, que outras carreiras de servidores públicos já possuem, como as polícias federais, Ministério da Agricultura e Receita Federal. 

Outra reivindicação é a criação de uma gratificação de atividade de risco,  o governo também não aceita discutir a criação dessa gratificação.  Seria para os servidores que estão expostos a riscos na atividade, seja ela na proteção, fiscalização, emergência ambiental, vistoria numa área deflagrada de conflito, intrusão em terra indígena, ou alguma outra atividade que exponha a vida dos servidores a risco extremo. 

Também reivindicamos a equiparação dos vencimentos dos servidores da área ambiental com servidores de carreiras intermediárias do governo federal, como da Agência Nacional de Águas, que nós usamos como parametrização. 

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E que impacto isso teve sobre a categoria? 

Hoje vivemos uma situação de sucateamento de carreira e a reivindicação principal é a reestruturação com valorização desses servidores. Os órgãos ambientais são agências reguladoras, são órgãos do licenciadores, têm poder de polícia administrativa porque atuam na fiscalização, na proteção, estão no front de combate à ilícitos ambientais, seja na Amazônia ou em outros biomas, estão no front de combate às emergências ambientais, emergências climáticas, agora, por exemplo, a catástrofe dos incêndios do Pantanal, no mês passado a questão das enchentes do Rio Grande do Sul. 

Então nós somos do ponto de vista quantitativo, um número pequeno de servidores, são 4,7 mil servidores em quatro órgãos, mas que têm um impacto muito grande. 

Embora haja uma recuperação da imagem do Brasil mundo afora na pauta ambiental, até o momento não se refletiu nas mesas de negociação coordenadas pelo MGI essa reflexão ou essa valorização dos servidores com apresentação de uma proposta que atenda pelo menos a parte das reivindicações. Porque o que o  governo apresentou até agora não atende nenhum desses pontos que coloquei como central. 

A Ascema tem falado em um colapso na área ambiental caso as demandas da categoria não sejam atendidas. Como seria esse colapso?

Falta de servidores e paralisia de setores importantes. Nós temos mais de 45% dos cargos de carreira vagos e que só podem ser ocupados por concurso e o Concurso Nacional Unificado não tem nenhuma vaga para Ibama ou ICMBio. Nós temos um risco de colapso ainda em 2025 porque, por exemplo, no Ibama, praticamente um terço do efetivo ativo vai se aposentar até o final de 2025. Se nós não tivermos recomposição de servidores ou concurso, nós teremos um colapso nos órgãos ambientais. A exemplo do Ibama, será uma tragédia. 

E isso vai afetar áreas importantes como licenciamento ambiental, por exemplo. 

Em 2023, tínhamos no Ibama em torno de 240 servidores no licenciamento ambiental. Hoje nós temos menos de 190. Ou seja, aumentou a quantidade de obras a serem licenciadas e nós tivemos uma perda de praticamente 20% [de servidores] nesses dois anos. Isso demonstra o risco iminente de colapso em áreas que são muito estratégicas, como é o licenciamento ambiental. 

Mas eu posso levar isso para fiscalização e proteção. O número de fiscais hoje é ínfimo, nós temos em torno de 700 fiscais dos órgãos federais atuando, por exemplo, na região Amazônica. Não dá conta da quantidade, da demanda, do combate às facções criminosas, à questão do garimpo ilegal, para agir também na intrusão das terras indígenas que são invadidas. Então nós temos hoje um efetivo muito baixo perante o desafio que a área ambiental tomou nas proporções que tem no governo atual. 

E como a situação atual se compara à situação dos servidores no governo anterior? 

Há uma desestruturação que foi acumulada do governo anterior, nós reconhecemos que houve essa retomada do governo atual de várias políticas públicas, da governança ambiental, da republicação de uma série de normas e regulamentos, a retomada de fundos ambientais.

Então reconhecemos que não se compara o período atual, nem no discurso e nem na política e nem nos programas, com o período trágico que foi o desgoverno anterior, foi uma tragédia para o setor ambiental. O setor ambiental era inimigo principal do próprio governo. Por isso a gente teve do ponto de vista prático em 2023 a retomada praticamente de tudo que foi desmontado durante quase cinco anos. Os servidores se dedicaram, deram o sangue, os índices de quantidade de autos de infração, de combate ao desmatamento, de combate a incêndios, da retomada dos processos de governança, em 2023, comparado a 2022, não têm comparação.

Mas nós temos um recuo já em 2024, drástico, porque os servidores chegaram e falaram assim ‘agora que chegou o momento da negociação, da valorização, nós não estamos recebendo atenção devida pelo governo, a gente se dedicou, demos o sangue literalmente no período anterior e no primeiro ano do governo do presidente Lula e agora que chega o momento da negociação, o governo não demonstra essa sensibilidade.’ 

Não há interesse dos negociadores do governo de resolver o problema da área ambiental, por isso, com o rompimento da mesa pelo MGI, não houve outra saída que não a deflagração da greve. 

E como a greve vai afetar o trabalho nos eventos emergenciais que estamos enfrentando, como os incêndios no Pantanal?

O governo precisa se preparar para esse momento. Houve redução de orçamento em 2024. Isso levou ao atraso de contratação de equipes, os servidores da área federal são responsáveis pela capacitação das brigadas de incêndio, por coordenação, por toda uma cadeia de controle e comando. Ao não ter esse serviço, pode atrasar ainda mais o deslocamento de equipes, pode atrasar o combate. 

Houve um atraso em 2024 perante a redução orçamentária e contingenciamento orçamentário. Então, equipes que eram para ter sido contratadas em março, abril para agora estarem aptos a irem para campo combaterem esse tipo de emergência, como a catástrofe que está acontecendo no Pantanal – e que vai se delongar e vai se refletir na catástrofe subsequente que vão ser os incêndios na Amazônia em setembro, outubro – não foram. Nós não vamos ter números e efetivos suficientes para entrar na necessidade e no quantitativo que precisa para combater essa situação. 

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