Bolsonaro na cadeia? Investigação comprovou peculato, lavagem de dinheiro e associação criminosa no caso das joias

O ministro do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes, derrubou, no início desta semana, o sigilo do relatório da Polícia Federal que indiciou Bolsonaro e outras 11 pessoas no caso das joias sauditas.

O conteúdo do inquérito é avassalador, não deixando pedra sobre pedra. Bolsonaro não só se apossou ilegalmente das joias como utilizou a estrutura do estado para, junto com subordinados e advogados, vendê-las nos Estados Unidos.

Segundo a investigação, a grana proveniente da venda ilegal ajudou a custear a estadia de Bolsonaro nos EUA. O ex-presidente fugiu para lá ainda no exercício do mandato, tentando evitar alguma ligação com os ataques golpistas do 8 de janeiro, que aconteceriam na semana seguinte.

Este é o segundo indiciamento sofrido por Bolsonaro, que há alguns meses foi indiciado no caso da falsificação da sua carteira de vacina. Só esses indiciamentos já dariam uma bela dor de cabeça para o ex-presidente, mas a coisa só está começando.

Ambos os casos, apesar de graves, ainda são brincadeira de criança perto do que está por vir. Há uma série de outras investigações que estão perto de indiciar o ex-presidente e outros integrantes da organização criminosa liderada por ele. 

Só no caso das joias Bolsonaro pode pegar até 32 anos de cadeia.

Segundo a PF, a investigação dos crimes dessa quadrilha foi dividida em cinco eixos:

  • Os ataques virtuais a opositores organizados pelo “gabinete do ódio”;
  • Os ataques às instituições democráticas e ao sistema eleitoral;
  • A tentativa de golpe de estado e a abolição violenta do estado democrático de direito;
  • Os ataques às vacinas e medidas sanitárias durante a pandemia;
  • O uso da estrutura do estado para obtenção de vantagens pessoais, como uso de cartão corporativo para despesas particulares, a adulteração de carteiras de vacinação e o desvio de bens de alto valor entregues por autoridades estrangeiras ao governo brasileiro.

São crimes diferentes, mas estão todos interligados de alguma maneira, já que em muitos casos os principais personagens são os mesmos e a estrutura do estado foi usada com a chancela e supervisão do então presidente da República. Em todos os cinco eixos de investigação, Bolsonaro é apontado como o líder das ações criminosas.

Se tudo correr dentro do que se espera no judiciário, não há a menor possibilidade do ex-presidente não passar uns bons anos atrás das grades.

Só no caso das joias — que mais parece um crime de roubo de galinhas dentro do contexto das investigações — Bolsonaro pode pegar até 32 anos de cadeia.

O inquérito foi conduzido com cautela e o relatório produzido está muito bem fundamentado. O conteúdo das mensagens de Mauro Cid capturadas pela PF coincide com os depoimentos dados por ele anteriormente.

As três hipóteses criminais apontadas pelos investigadores no caso das joias  —  peculato, lavagem de dinheiro e associação criminosa ou organização criminosa — foram fartamente comprovadas ao longo da investigação.

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A polícia chegou a encontrar no celular de Bolsonaro registros de que ele acessou um site do leilão em que um kit de joias roubado da Presidência da República estava à venda. Foi Mauro Cid quem enviou o link para seu ex-chefe, que respondeu com ‘Selva!’ — uma saudação militar.

Ou seja, Bolsonaro tinha absoluta ciência de que um produto fruto de roubo estava sendo vendido. Como se já não bastasse o caminhão de provas, ainda temos o ‘Selva!’ como o batom na cueca do milico.

Está tudo muito bem amarrado e parece não haver qualquer brecha para a defesa de Bolsonaro. Não há mais como dizer que Bolsonaro não sabia da apropriação indevida das joias, da venda delas e do esquema de lavagem de dinheiro.

As conversas provam que todos os envolvidos sabiam que estavam praticando crimes e atuavam para encobri-los. Não há pra onde correr. 

Os advogados do ex-presidente atuam como baratas tontas neste caso. Em uma das mensagens enviadas para Bolsonaro, o advogado Frederick Wassef, que também está indiciado por participar da quadrilha, combinou com o presidente uma linha de defesa mais “generalizada”e “sem muitos detalhes”.

A intenção era manter um caminho aberto que possibilitasse uma “mudança de estratégia a qualquer momento”. Com o desenrolar das investigações, novas provas irrefutáveis foram aparecendo, deixando os advogados de defesa em um campo minado.

Vendo-se impossibilitados de defender o indefensável, restou-lhes apontar possíveis falhas processuais. As investigações deram um baile na defesa. Está tudo lá, nos mínimos detalhes, nas trocas de mensagens dos celulares apreendidos pela polícia. “Selva!”

Abin paralela

Na manhã da última quinta-feira, a PF prendeu quatro pessoas envolvidas nos ataques e nas espionagens contra opositores do bolsonarismo, entre eles um militar e um policial federal. O gabinete do ódio, chefiado por Carlos Bolsonaro, era alimentado por informações da Abin paralela comandada por Alexandre Ramagem, então chefe da Abin.

Em meio à pororoca de provas da atuação criminosa do órgão de inteligência, há uma que revela o amadorismo e a certeza da impunidade que norteava as ações dos criminosos. Ramagem gravou o áudio de uma reunião que teve com o então presidente da República, o então chefe do GSI, Augusto Heleno, e uma advogada de Flávio Bolsonaro.

O objetivo da reunião? Planejar uma abertura de procedimentos contra os auditores fiscais que investigavam a rachadinha no gabinete de Flávio e, assim, conseguir a anulação da investigação.

O pedido de mais provas deve tornar a denúncia ainda mais forte.

O plano foi executado e bem sucedido, culminando com a anulação da investigação. Em outro momento das conversas, os investigados cogitam a possibilidade de “dar um tiro na cabeça” de Alexandre de Moraes.

Era com essa postura miliciana que a quadrilha instalada na Abin trabalhava. Aqui também não tem pra onde correr. Está tudo gravado em um áudio de mais de 1 hora de duração encontrado no computador de Ramagem. “Selva!”.

Mas voltemos ao caso das joias sauditas. A Polícia Federal fez o trabalho dela, agora falta o Procurador Geral da República, Paulo Gonet, apreciar a investigação.

Depois, há 3 caminhos possíveis: oferecer a denúncia, arquivá-la ou devolvê-la para a PF pedindo a produção de mais provas. Interlocutores de Gonet adiantaram que ele optará pelo terceiro caminho.

Há o temor de que a denúncia em meio ao processo eleitoral tumultue o cenário político. Esse tipo de cálculo não cabe — ou não deveria caber — a um Procurador Geral da República, mas é assim que as coisas funcionam. De qualquer forma, o pedido de mais provas deve tornar a denúncia ainda mais forte, minimizando a possibilidade da defesa apontar falhas processuais.

O fato é que o cenário político será tumultuado com ou sem Bolsonaro na prisão. Encalacrado pelas evidências, resta ao bolsonarismo alimentar a ilusão de que a popularidade do ex-presidente pode livrá-lo da cadeia.

O parajornalista bolsonarista Augusto Nunes, por exemplo, levantou da catacumba moral em que está enterrado para gritar: “Não há mais clima para a prisão de Bolsonaro!”. Bobagem. Bolsonaro ainda é uma figura popular, mas as manifestações em seu apoio têm levado cada vez menos gente às ruas.

Não há só clima, Augusto. Há provas. Muitas provas. “Selva!”

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