Sai Joe Biden, entra Kamala Harris: como mudança afeta Gaza

Joe Biden, presidente dos EUA, anunciou no domingo que não irá concorrer à reeleição em 2024, às vésperas da visita do primeiro-ministro da Israel, Benjamin Netanyahu, aos Estados Unidos.

Embora o anúncio possa afastar as preocupações generalizadas em torno da capacidade do possível candidato do Partido Democrata de governar, em especial na comparação com o candidato do Partido Republicano, Donald Trump, a questão que desencadeou os protestos em massa contra o presidente em exercício ainda paira sobre a campanha: o apoio praticamente incondicional de Biden à guerra de Israel em Gaza.

Biden manteve quase sempre um posicionamento de apoio e deferência enquanto Israel bombardeava Gaza. Agora, alguns veem sua saída como uma abertura à possibilidade de redefinir a política dos EUA em relação a Israel.

Tariq Habash, ex-indicado político de Biden no Departamento de Educação, que pediu exoneração em janeiro em protesto contra as políticas do presidente na guerra de Gaza, observa que uma parte significativa da base já está desiludida com Biden por sua relutância em aplicar a legislação dos EUA e responsabilizar Israel pelas violações ao direito internacional humanitário. A decisão de Biden também chega apenas dois dias depois da decisão da Corte Internacional de Justiça, que considerou a ocupação de Israel na Palestina um apartheid ilegal.

“Quem for substituir o presidente na chapa precisa mostrar aos eleitores que haverá uma mudança política substancial que acabe com a desumanização dos palestinos em apoio aos direitos humanos palestinos, ao direito internacional, e à paz”, diz Habash.

“Obviamente, tanto democratas quanto republicanos têm um longo caminho a percorrer”, acrescenta. “A visita de Netanyahu esta semana é emblemática, assim como a recusa do presidente Biden em fazer valer limites, aplicar as leis de Leahy ou a Lei de Assistência Estrangeira (leis que proíbem a concessão de assistência a países que violam os direitos humanos), ou obter um cessar-fogo permanente ou a devolução dos reféns palestinos e israelenses.”

A verdadeira fraqueza de Joe Biden

Muitos críticos observam que o posicionamento de Biden sobre a guerra de Israel revelou sinais preocupantes sobre sua liderança e adaptabilidade muito antes do fatídico debate de junho.

 “Não foi o fracasso de Biden no debate que mostrou que ele não está em condições de liderar. Foram as dezenas de milhares de bombas que ele mandou para matar famílias palestinas”, declarou em um comunicado a organização Campanha dos EUA pelos Direitos Palestinos. “A recusa de Biden em aderir ao direito internacional ou aplicar a legislação dos EUA aprofundou a ocupação militar ilícita de Israel. O último parecer consultivo da Corte Internacional de Justiça, na sexta-feira, afirmou que todos os estados têm a obrigação legal de ‘não oferecer auxílio ou assistência na manutenção da situação’ criada pela negação dos direitos dos palestinos por Israel.”

Independentemente de quem substitua Biden, Riley Livermore, um major da Força Aérea que pediu exoneração em junho afirmando que o governo Biden era “cúmplice de genocídio”, considera que o momento apresenta um possível ponto de virada para a política americana em relação à guerra de Israel.

“Dito isso, não é pela pressão contra a violência de sua política em Gaza que Biden está desistindo. Do meu ponto de vista, o genocídio em curso em Gaza praticamente não teve impacto na pressão para que ele desistisse. Ainda estou desiludido em perceber que o Partido Democrata não se importa com os palestinos e continua a oferecer apoio incondicional a Israel“, disse Livermore ao Intercept dos EUA, repetindo que pediu exoneração em razão das políticas de Biden em Gaza, não de sua idade.

Um assessor do Partido Democrata de alto escalão disse ao Intercept que estava preocupado com o processo apressado para substituir o candidato, que teria pouco a ver com a forma como o apoio de Biden a uma guerra que já matou 15 mil crianças em Gaza pode já ter prejudicado irremediavelmente suas chances entre grupos cruciais de eleitores. “O país precisa ouvir um candidato antiguerra, que veja os palestinos como seres humanos”, diz. “É importante que nosso próximo candidato seja escolhido por meio de um processo democrático em uma convenção aberta.”

Os sinais de Kamala Harris

Biden e dezenas de autoridades eleitas e grupos partidários já declararam o apoio à vice-presidente Kamala Harris para liderar a chapa do Partido Democrata em novembro. E já houve sinais de que ela pode se desviar do apoio inabalávei de Biden à campanha de Israel em Gaza.

No final do ano passado, Harris teria pressionado a Casa Branca a ser mais solidária ao sofrimento dos palestinos, e mais enérgica contra Netanyahu na busca de um acordo de paz de longo prazo. Em março, Harris fez um discurso em Selma, no estado do Alabama, convocando vigorosamente um “cessar-fogo imediato” e exigindo que Israel tome mais medidas para aumentar o fluxo de ajuda humanitária em Gaza. “Sem desculpas”, ela insistiu. Embora o discurso parecesse marcar uma mudança no posicionamento do governo em relação à guerra, surgiram relatos de que autoridades do Conselho de Segurança Nacional teriam amenizado partes de sua fala.

“Precisamos ter um objetivo e começar a trabalhar nele agora, de paz e uma igual medida de segurança para israelenses e palestinos”, disse Harris no final daquele mês. “Os palestinos têm direito à autodeterminação; têm direito à dignidade, e vamos precisar trabalhar nisso.”

Esses relatos não passaram despercebidos para as pessoas que esperam ver mudanças nas políticas dos EUA.

Livermore diz ter esperança de que, se Harris vier a ser a próxima presidente, ela aproveite a oportunidade para mudar drasticamente a postura dos EUA em relação a Israel. “Harris tem uma escolha entre ouvir a própria humanidade e a vontade esmagadora do povo americano, ou ouvir os grandes doadores e os grupos de interesse especial e continuar a fazer do genocídio parte de sua plataforma, e ao fazê-lo, deslegitimar os EUA internacionalmente.”

“Lideranças como eu, e outros líderes religiosos negros que assinaram cartas abertas pressionando Biden a convocar um cessar-fogo permanente em Gaza, acreditam que Harris seria muito mais solidária à causa palestina se fosse indicada”, disse em um comunicado o reverendo Michael McBride, pastor e fundador do PAC da Igreja Negra. “Isso pode ajudar a revigorar uma parte da base que vem se sentindo em conflito por votar em Biden.”

Waleed Shahid, cofundador do Movimento Nacional Não Comprometido, que reuniu mais de 700 mil pessoas em todo o país para votar em protesto contra o apoio inabalável de Biden a Israel, também destacou a abertura dos dissidentes a Harris.

“Embora ela não seja de forma alguma uma defensora da causa, já ouvi de inúmeras pessoas que a vice-presidente Harris demonstrou uma reação emocional muito diferente do que o presidente Biden às histórias de sofrimento dos palestinos“, disse ele, em um comunicado. “Embora a vice-presidência seja limitada, muitos consideram que ela seria um avanço em relação à grave falta de empatia de Biden pelos palestinos, e aos seus vínculos com a velha guarda da AIPAC (grupo de lobby israelense) no partido. No entanto, desafiar o poder da AIPAC dentro do sistema do Partido Democrata continua sendo uma tarefa formidável, independente de quem seja o candidato indicado.”

O post Sai Joe Biden, entra Kamala Harris: como mudança afeta Gaza apareceu primeiro em Intercept Brasil.

Adicionar aos favoritos o Link permanente.