Funcionárias que forçaram garota com duas mães a participar de evento de Dia dos Pais podem responder por constrangimento e violência psicológica, diz criminalista


Escola pode ter que realizar reparação moral. Presidente da Comissão da Mulher Advogada da OAB-PE explica que constrangimento pode ter ferido princípios do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Palco de comemoração do Dia dos Pais do Colégio Elo
Reprodução/Instagram
Tanto a escola quanto os profissionais que fizeram uma menina de 9 anos, filha de duas mulheres, subir num palco durante uma comemoração de Dia dos Pais poderão responder na Justiça pelo constrangimento causado à criança; é o que diz a professora de direito penal Amanda Barbalho.
Em entrevista ao g1, a criminalista explicou que as condutas podem ser responsabilizadas em diferentes esferas. As pessoas que atuaram diretamente para que a situação de constrangimento à criança acontecesse podem responder criminalmente. A escola, enquanto pessoa jurídica, pode ser responsabilizada em processo civil.
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O caso foi denunciado à Polícia Civil, na sexta (9), pela jornalista Maira Moraes, uma das mães da criança, após a mãe de um colega de turma entrar em contato, preocupada, perguntando como a menina estava depois de ter chorado durante o evento.
“Tem que se averiguar quem foram as pessoas físicas que tomaram as decisões que resultaram no constrangimento à criança. A escola pode ser responsabilizada apenas no âmbito cível. Poderia ser uma reparação moral, por exemplo, um pedido de desculpas, algum tipo de movimento dentro do colégio, ou até uma indenização financeira”, explicou a criminalista Amanda Barbalho.
De acordo com a professora, a investigação em andamento da Polícia Civil deverá apontar se aconteceu algum crime e, caso sim, identificar quem atuou para que o crime acontecesse.
“Quando a gente fala de crime, a gente precisa de uma resposta da polícia. A polícia é quem vai ouvir as testemunhas, quem estava lá, a coordenadora, os suspeitos, todo mundo. A partir desses depoimentos é que vai chegar à conclusão se algum crime aconteceu e quem são os autores desse crime”, disse a professora.
Após a conclusão do inquérito policial, o delegado responsável pelo caso é quem decide se oferece denúncia ao Ministério Público. Cabe ao MP avaliar a investigação conduzida pela polícia e escolher se encaminha o caso à Justiça para ser jugado por um juiz criminal.
Ainda segundo Amanda Barbalho, por a escola se tratar de uma pessoa jurídica, a reparação por parte da instituição se dá um caminho diferente. Nesse caso, é preciso acionar diretamente a Justiça através de um processo civil, sem a participação da polícia.
Na opinião da professora, a situação pode ser enquadrada em dois crimes:
Constrangimento, previsto artigo 232 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) – que prevê pena de detenção, de seis meses a dois anos.
Violência psicológica, previsto no artigo 147-B do Código Penal Brasileiro – com pena de reclusão que pode variar de seis meses a dois anos, e multa.
Estatuto da Criança e do Adolescente
A presidente da Comissão da Mulher Advogada da Ordem dos Advogados de Pernambuco (OAB-PE), Roberta Nunes, contou ao g1 que o ECA assegura direitos básicos e específicos para que as crianças e os adolescentes possam ter um pleno desenvolvimento até atingir a maioridade. O constrangimento ao qual a menina foi submetida pode ter ferido alguns desses princípios, segundo a advogada.
“A proteção à identidade e à vida familiar é muito importante. Essa criança foi exposta. Ela não teve o direito de se defender. A proteção à integridade psicológica dela é assegurada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente”, explicou.
Como alternativa para que situações semelhantes não se repitam, a advogada sugeriu que as escolas repensem o formato de suas comemorações, de forma que incluam diferentes formatos de composições familiares, também garantidos pelo ECA.
“Existem escolas, inclusive, que não fazem mais Dia dos Pais, Dia das Mães, fazem o Dia da Família. Essas novas configurações familiares estão, inclusive, protegidas pela lei. É muito importante que as pessoas entendam, por que muitas vezes a parte que ofende acaba dizendo que não via problema, que não foi exatamente assim. Mas a gente precisa trazer essa educação respeitosa”, disse Roberta Nunes.
Relembre o caso
Mesmo sendo filha de duas mulheres, uma criança de 9 anos foi obrigada a subir em um palco para uma apresentação em homenagem ao Dia dos Pais;
O caso aconteceu na sexta-feira (9), no Colégio Elo Kids, localizado no bairro de Candeias, no município de Jaboatão dos Guararapes, no Grande Recife;
Mãe de duas alunas que estudam nesse colégio, a farmacêutica Anna Cristina Ático presenciou a situação e acolheu a criança quando ela se recusou a se apresentar no palco;
Ela disse que percebeu quando a menina pediu à professora para não participar da apresentação e permanecer em sala de aula até o fim da comemoração;
Vendo o desconforto da criança, que é amiga de sua filha, se ofereceu para ficar com ela no colo;
Ao fim da apresentação, a professora responsável levou a criança de volta ao palco para que a menina participasse de uma foto em conjunto com os demais colegas e seus pais;
A jornalista Maira Moraes, uma das mães da menina, ficou sabendo do caso quando a mãe de outro colega entrou em contato perguntando como a garota estava, pois tinha visto quando Anna Cristina acolheu a criança;
Segundo Maira Moraes, a escola foi avisada desde a matrícula que a menina tinha duas mães e que em comemorações de Dia dos Pais deveria deixar a aluna em sala, realizando outras atividades;
A família denunciou o caso à Polícia Civil.
O que dizem a escola e a polícia?
Na terça (13), g1 procurou o Colégio Elo e questionou o motivo de a recomendação das mães não ter sido seguida e de a menina ter sido forçada a subir ao palco, mesmo pedindo para não participar.
Em contato telefônico, a gestora pedagógica Eduarda Tavares disse que a escola estava ciente do ocorrido e que o caso estava sendo tratado pelo corpo jurídico da instituição.
Também procurada, a Polícia Civil informou que registrou a ocorrência na sexta (9), através da Delegacia de Crimes contra a Criança e o Adolescente (DPCA), como “outras ocorrências contra a pessoa”. Por isso, não há como saber a pena prevista, pois o crime ainda não foi tipificado.
Nesta quinta (15), o g1 voltou a procurar a escola em busca de um pronunciamento e também a Polícia Civil, para saber como o caso está sendo investigado. Nenhuma das instituições respondeu até a última atualização desta reportagem.
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