Mulheres negras cobram mais representatividade em maquiagem: ‘Muitas fotos já fiz esbranquiçada’, diz modelo


Modelo e maquiadora compartilham as dificuldades para encontrar produtos de beleza. Para a professora do Senac, houve avanços, mas é preciso mais para encerrar história de exclusão e preconceito. A modelo Hadassa Ramos diz que marcas precisam fazer avanços em produtos cosméticos para peles negras
Érico Andrade/g1
A maquiagem faz parte do dia a dia da maioria das mulheres, é uma forma de aumentar a autoestima e também de autocuidado. Para as mulheres negras, no entanto, a maquiagem passa por aspectos como representatividade, ou a falta dela, e inclusão.
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A modelo de Ribeirão Preto (SP), Hadassa Ramos, de 22 anos, conta que desde quando começou a trabalhar no meio da moda, aos 14, sempre encontrou dificuldade na hora de se maquiar por ser negra. Encontrar um tom de base correto ou um pó, por exemplo, era sempre um problema.
Ao g1, neste Dia da Consciência Negra, ela compartilhou uma situação recente que aconteceu durante um trabalho. Ao comentar sobre essa dificuldade, uma outra modelo perguntou por que ela não levava uma base com ela, para não correr o risco de errarem o tom.
“Ela era branca, lindíssima, e eu falei :’mas você faz isso?’. Ela falou que não. Então assim, por que eu tenho que fazer isso? Ela nunca teve esse problema, ela nunca precisou se preocupar porque ela é branca”.
Diversidade de tons
Hadassa chama atenção para o fato de ter pele negra com tom claro, o que facilita um pouco na hora de encontrar um produto.
No entanto, nos bastidores de ensaios fotográficos e com amigas, ela consegue observar experiências mais desafiadoras. Para algumas mulheres negras, encontrar um produto ou um maquiador que acerte o seu tom é ainda mais complicado.
“Eu não sou uma modelo de pele retinta, por exemplo. Diversas vezes já erraram o meu tom e olha que não é um tom difícil de achar no mercado, como uma pele retinta. Muitas fotos que eu já fiz eu estava esbranquiçada”.
A modelo Hadassa Ramos, de Ribeirão Preto (SP) fala a dificuldade em achar maquiagens no seu tom de pele
Arquivo Pessoal
Avanços necessários
Professora do Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac) em Barretos (SP), Teresa de Lima Meirinhos explica que a pele retinta é caracterizada por uma tonalidade muito escura e com um fundo, ou subtom, azulado.
Para ela, apesar dos avanços na indústria de cosméticos e de uma gama maior de produtos, é preciso avançar e entender mais sobre esse público.
“Ainda não é o suficiente, porque a pele negra tem vários subtons assim como a pele retinta que tem um subtom azulado devido à nossa miscigenação ou subtom amarelo em outras peles. Eles [a indústria cosmética] ainda não tem um olhar para essas particularidades”, diz.
A modelo Hadassa Ramos, de Ribeirão Preto (SP) fala a dificuldade em achar maquiagens no seu tom de pele
Arquivo Pessoal
Representatividade e inclusão
Silvânia Pereira é maquiadora em Ribeirão Preto. A profissional, que é negra, percebe o desafio ao atender outras mulheres pretas. Atualmente, ela é especializada em colorimetria, técnica que ajuda a encontrar um tom correto de base, sombra, batom, entre outros produtos para a pessoa, levando-se em conta a pele.
Silvânia lembra do início da sua carreira como maquiadora.
“Quando eu comecei a minha carreira, eu enfrentei essa dificuldade porque eu não tinha tanto conhecimento e também as marcas ofereciam uma gama de cores muito limitada, sem considerar a diversidade de tons e subtons que tem dentro da pele negra”.
A técnica, no entanto, não é acessível para todas as mulheres e não se apresenta como uma solução prática e eficaz no dia a dia. A maquiadora reconhece o avanço da indústria, mas lembra que ainda não é suficiente já que muitas mulheres negras ainda são excluídas.
A maquiadora Silvânia Pereira, de Ribeirão Preto (SP) compartilha situações que já viveu ao não encontrar produtos para pele negra
Arquivo Pessoal
Da mesma maneira pensa Hadassa. Para ela, encontrar uma marca que atenda a demanda de mulheres negras é mais que apenas fazer uma boa compra.
“Eu me sinto enxergada, como se eles [as marcas] estivessem olhando para mim e falando ‘olha, você é importante’. É muito gostoso a gente entrar em uma loja e ter ali um produto que caia como uma luva pra gente, assim como roupa ou qualquer produto que a gente consome para se sentir feminina, para ficar mais bonita. É realmente essa sensação de se sentir enxergada, considerada, é uma sensação de alívio”.
No papel de maquiadora, Silvânia lembra a importância de se sentir representada pelas marcas. É uma forma de pertencimento dentro de uma sociedade que já é marcada pelo racismo.
“Ajuda a mulher a se sentir confiante e confortável na própria pele e, para a gente chegar nesse resultado, é importante que tenha essa gama de produtos, que tenham produtos inclusivos e com uma abordagem que compreenda as nuances e particularidades de casa pessoa”.
Insegurança
A falta de representatividade e de produtos que atendam os diferentes tons de pele gera também uma sensação de insegurança. Como maquiadora, Silvânia pode presenciar esse comportamento durante os atendimentos.
“É uma dor, pelo menos 90% das mulheres de pele preta que chegam pra mim, elas já chegam com essa frustração e esse pensamento de que vão ficar acinzentada ou vai ficar alaranjada, que a gente não vai conseguir chegar no tom ideal, porque ela já sofreu isso com outros profissionais”.
A modelo Hadassa Ramos, de Ribeirão Preto (SP) fala a dificuldade em achar maquiagens no seu tom de pele
Arquivo Pessoal
Hadassa conta que a maioria não tem um salão de beleza de confiança para ir, elas sempre pensam que o maquiador ou maquiadora pode errar o tom da base, contorno e iluminador, por exemplo.
Como ela participa de diversos ensaios, os maquiadores variam e isso gera um desconforto na espera de um resultado que seja satisfatório para ela e para a marca.
“Recentemente fui fazer um trabalho e eu não conhecia a maquiadora. Ela é maravilhosa, uma ótima profissional, mas eu ainda não conhecida. Eu cheguei super insegura, eu pensei: ‘Meu Deus, se ela errar o meu tom, eu não vou conseguir entregar o trabalho’. Deu tudo certo no final, ela acertou meu tom, mas eu ainda tenho essa insegurança”.
A professora Teresa diz que para tentar ao menos diminuir a sensação de exclusão e insegurança dessas mulheres, as marcas precisam investir em pesquisa. Na opinião dela, é necessário que sejam feitos testes com um grupo diverso, com mais variados tons para conseguir atender essa demanda tão importante.
“A falta de produtos para maquiagem na pele negra é um quadro de reflexo de uma história de exclusão e invisibilidade na indústria de cosméticos. Veio de uma história muito sofrida de tudo o que a gente conhece da população negra”, afirma a docente.
*Sob a supervisão de Thaisa Figueiredo
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