Boicote ao Carrefour prejudica mais varejista do que fornecedores, dizem analistas

Os impactos das falas do CEO do Carrefour na França, Alexandre Bompard, na semana passada, atravessaram o Atlântico e reverberam também nas operações da rede de supermercados no Brasil.

A decisão da varejista sobre interromper a comercialização da carne produzida no Mercosul despertou reações do próprio governo federal, além das manifestações de diversos representantes o setor, como associações e frigoríficos, que anunciaram a suspensão da venda de alimentos para a cadeia de mercados no país.

Mas em meio à troca de boicotes, quem deve sair mais prejudicado é o próprio Carrefour, segundo Ana Paula Tozzi, CEO da AGR Consultores, especializada no setor de varejo.

“Sua segunda maior operação está justamente no Brasil”, aponta a economista.

Tozzi reitera que tanto para o Brasil quanto para o Mercosul o impacto é pequeno.

“Os maiores clientes do Brasil em carne in natura são China e Estados Unidos, e o Brasil tem feito um bom trabalho em ampliar as vendas em novos mercados, como Emirados Árabes, México e Filipinas”.

E o problema para a varejista não diz nem respeito ao abastecimento da rede na França — cuja expressividade da carne do Mercosul nas geladeiras é pífia —, mas sim à imagem da marca no país, que já vem sendo abalada.

“Vemos muita repercussão nas mídias sociais, boicote dos produtores nacionais, defesas de entidades e, claro, falta de carne. Lembrando que, no alimentar, a carne é o principal alavancador de vendas e margens nos supermercados”, afirma a CEO da AGR Consultores.

“Para os fornecedores, a repercussão positiva nas mídias sociais, nas tradicionais e nos grupos de WhatsApp, vai ser superior às perdas em não abastecer o Carrefour.  Provavelmente, esse episódio vai passar, mas a que custo para o Carrefour?”, complementa.

E os fornecedores?

Marcos Jank, professor de agronegócio global do Insper, reitera que o impacto negativo se limita ao Carrefour.

Na última quarta-feira (20), Bompard disse que as lojas da França iriam deixar de importar a carne do Mercosul visando a iminência da aprovação do acordo de livre comércio da União Europeia (UE) com o bloco.

“Em toda a França, ouvimos a consternação e a indignação dos agricultores face ao projeto de acordo de livre-comércio entre a União Europeia (UE) e o Mercosul; e consideramos o risco de repercussões negativas no mercado francês de comercializar um produto que não cumpra os requisitos e normas europeus”, escreveu Bompard em carta ao presidente da Federação Nacional dos Sindicatos dos Operadores Agrícolas da França, Arnaud Rousseau.

“Em resposta a esta preocupação, o Carrefour quer estar em conjunto com o mundo agrícola e está tomando o compromisso de não comercializar qualquer carne proveniente do Mercosul.”

Em resposta, os principais frigoríficos do Brasil — como JBS e Masterboi — anunciaram a interrupção no fornecimento de carne para a rede no Brasil.

“Não é que essa carne vai ser jogada fora, não vejo alteração de preço por isso. Simplesmente invés de ir para o Carrefour, ela vai para outros locais e o Carrefour corre risco de ficar sem carne se esse boicote continuar”, observa Jank.

“O Carrefour pode até tentar comprar de frigoríficos menores, mas não vai suprir a demanda e a qualidade do produto atual.”

O professor do Insper reforça o ponto levantado por Tozzi de que o açougue tem um peso grande na decisão do consumidor.

“Vai ter consumidor que se não encontrar carne e vai para outro supermercado. Açougue gera margem, e o Carrefour vai ficar em uma situação complicada. O consumidor vai reclamar, e a pressão é forte, o que pode levar a uma retratação. Atingiram uma área central”, conclui Jank.

Mas o quão impactado de fato é o Carrefour?

Desde as falas do CEO, ao contrário do que poderia se imaginar, o Carrefour Brasil ganhou valor de mercado, apesar das retaliações mirando a varejista. O que se avalia é que suas ações não devem recuar até o momento que de fato se provar que as margens da rede foram afetadas.

Tendo isso em vista, os bancos de investimento Goldman Sachs e BTG Pactual colocaram seus analistas para avaliar o cenário.

Considerando que o Carrefour tenha a mesma cesta de produtos que o mercado médio — utilizando como base o peso de cada produto na inflação oficial do país —, a carne bovina deve representar 12% das vendas totais da rede, superior ao visto com frango (6%) e porco (2%), de acordo com a análise do Goldman Sachs.

O grupo de produtos alimentícios representa 88% das vendas totais do Grupo Carrefour, que ainda inclui os negócios da rede de atacarejo Atacadão e do Sam’s Club.

Uma vez que o Atacadão representa cerca de 70% das vendas do Carrefour, e que a participação da marca em carnes está abaixo dos índices da categoria, o banco aponta que a estimativa pode ser exagerada.

“Acreditamos que a relevância de fato da carne bovina para as vendas globais do Carrefour Brasil está provavelmente mais próxima de um dígito médio a alto, enquanto a relevância da carne para as vendas globais está provavelmente mais próxima de um dígito alto a dois dígitos baixos”, afirmam os analistas do banco.

Para o BTG, as vendas totais do grupo devem ser compostas por 5% de carne bovina e cerca de 10% de proteínas.

“Em nossa recente reunião com o CEO do Carrefour Brasil, a empresa mencionou que a inflação reacelerou em setembro, o que já ajudou as vendas naquele mês, efeito que tende a continuar no quarto trimestre (já observado em outubro) –, mas que pode ser afetado por potenciais interrupções nas lojas”, avalia a equipe do BTG.

Com a inflação de alimentos acelerada, o banco de investimento reforça que o cenário aumenta a alavancagem operacional dos varejistas. Desse modo, aponta que o impacto não deve ser tão expressivo.

Falta de políticas ESG é razão para brasileiro não consumir marca

Este conteúdo foi originalmente publicado em Boicote ao Carrefour prejudica mais varejista do que fornecedores, dizem analistas no site CNN Brasil.

Adicionar aos favoritos o Link permanente.