“Vai Senor Abravanel, fica Silvio Santos”: o relato do biógrafo Fernando Morgado

— Onde está o meu biógrafo?

Foi com esta pergunta que começou o tão aguardado encontro entre mim, o biógrafo, e Silvio Santos, o biografado. Estávamos no estúdio 3 da sede do SBT, em Osasco. Silvio havia acabado de encher os bolsos do paletó com dinheiro vivo (sim, era de verdade o dinheiro que ele lançava para as suas colegas de trabalho) e se dirigia para o palco quando me avistou. Nos cumprimentamos e, ainda nos bastidores, pude ouvi-lo me agradecer pelo livro “Silvio Santos – A Trajetória do Mito” (Editora Matrix, 2017). Esse momento ficou eternizado pela foto que ilustra este artigo.

A história do professor universitário que escreveu a biografia não autorizada do maior artista brasileiro sem conhecê-lo pessoalmente ganhou destaque na imprensa. Mereceu reportagens de página inteira nos maiores jornais, destaques na home dos maiores portais de internet e entrevistas para as maiores rádios do país.

Além de tudo isso, o próprio Silvio Santos decidiu ajudar na divulgação, criando anúncios que foram transmitidos durante seis meses na programação do SBT e dedicando quase sete minutos do seu programa de 28 de maio de 2017 para elogiar a obra. Tratou-se de algo até então inédito no Brasil, quiçá no mundo. Resultado: em poucas semanas, o livro entrou em diversas listas de best-sellers e vendeu cinco edições em apenas dois meses.

Todos esses momentos passaram como um filme na minha cabeça até o momento em que fui chamado ao palco por Silvio. Diante das câmeras, o animador reforçou os agradecimentos e fez uma revelação, conforme foi exibido pelo SBT em 18 de junho de 2017:

— Eu gostei do livro, não só porque fala de mim, mas porque você coloca acontecimentos que eu nem lembrava mais. Quer dizer, é um livro curioso, principalmente pra mim!

Disse também palavras que me emocionaram:

— Te agradeço muito ter vindo aqui. Não é só uma divulgação do meu livro, porque ele já foi divulgado através do SBT, mas foi um prazer conhecer você. Muito obrigado.

E ao final, um elogio especial:

— Cara, você é craque mesmo!

Conversar com Silvio Santos dentro e fora do ar e participar de seu programa foram experiências inesquecíveis. Afinal, transformar a vida dele em livro foi um dos maiores desafios que já me impus. Esse desafio tornou-se ainda maior pelo fato de eu jamais ter tido acesso ao Silvio Santos, que se negava a conceder entrevistas e autorizar biografias.

Um dos aspectos que mais chamou a atenção do mercado foi o formato da obra, inédito no Brasil. Além das minhas análises e da linha do tempo, cada capítulo reúne falas ditas pelo próprio Homem do Baú à imprensa ao longo do último meio século. Assim, revelei ao leitor como se deu a evolução do pensamento de Silvio Santos sobre os mais diferentes assuntos, mesmo que nunca tenha conversado com ele.

Esse trabalho, aliado aos meus mais de quinze anos de experiência como palestrante e pesquisador, me permitiu compreender quem era Silvio Santos e extrair valiosas lições de sua trajetória. Em primeiro lugar, está a autoconfiança. Silvio demonstrava uma certeza inabalável de que suas decisões eram as melhores, por mais incomuns que fossem. Um exemplo foi a decisão de exibir sucessivos episódios de A Pantera Cor-de-Rosa até o momento em que a novela concorrente (nada mais, nada menos, que Roque Santeiro) acabasse e ele pudesse começar a transmitir a sua principal atração. Tal estratégia permitiu que o SBT alcançasse o primeiro lugar de audiência no horário nobre.

Diretamente ligada à autoconfiança, está a ousadia. Silvio não parecia hesitar quando escolhia andar por caminhos jamais trilhados. Quando fundou o SBT, em 1981, decidiu dedicar pelo menos metade da sua programação para as crianças enquanto todos os seus concorrentes miravam apenas as donas de casa. O sucesso alcançado com Bozo, Mara Maravilha e Sérgio Mallandro, além de inúmeros desenhos animados e séries (especialmente Chaves), provou que ele estava certo.

Há também o olhar aguçado para encontrar oportunidades de negócio onde ninguém mais enxergava. No final dos anos 1950, Silvio conseguiu salvar um empreendimento quase falido, o Baú da Felicidade, e transformá-lo na semente de um grupo empresarial que chegou a ter 15 mil colaboradores.

Embora sua vida tenha altos e baixos, Silvio Santos se consolidou como ícone da cultura popular nacional, permanecendo querido por parcela expressiva dos brasileiros, que enxergam nele tanto uma grande fonte de alegria quanto um exemplo a ser seguido.

Com a morte de Senor Abravanel, o país perde não apenas um ícone da televisão, mas uma figura ímpar de sua história e de sua memória afetiva e coletiva. Silvio Santos transcendeu o papel de animador e empresário, tornando-se um símbolo da cultura popular. Ele deixou marcas profundas em diversas áreas da sociedade, moldando gerações e criando um legado inestimável. Vai Senor Abravanel, fica Silvio Santos, pois os mitos são eternos.

*Fernando Morgado é consultor e palestrante nas áreas de comunicação e inteligência de negócios. É professor da ESPM e Top Voice no LinkedIn. Tem livros publicados no Brasil e no exterior, incluindo o best-seller Silvio Santos – A Trajetória do Mito. Foi coordenador adjunto do Núcleo de Estudos de Rádio da UFRGS. Mestre em Gestão da Economia Criativa e especialista em Gestão Empresarial e Marketing pela ESPM.

Este conteúdo foi originalmente publicado em “Vai Senor Abravanel, fica Silvio Santos”: o relato do biógrafo Fernando Morgado no site CNN Brasil.

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