Incêndios de 2024 ameaçam resiliência natural do Pantanal, diz estudo


Após queimadas de 2020, diversidade de mamíferos e abundância de animais caiu pela metade nos locais mais afetados. Número de focos neste ano já supera o recorde registrado há quatro anos. Estação Ecológica do Taiamã foi muito afetada pelos incêndios de 2021
Henrique Gonçalves / ICMBio
O fogo que se alastra pelo Pantanal neste ano pode ter consequências ambientais mais profundas o que se imagina. O número de focos de incêndios no Pantanal neste ano já supera o registrado no mesmo período de 2020, ano recorde de queimadas no bioma.
Vale lembrar que o Pantanal ainda estava se recuperando dos impactos de incêndios ocorridos em 2020, quando 4,5 milhões de hectares foram perdidos – resultando na morte de 17 milhões de vertebrados e impactos negativos em pelo menos 65 milhões de animais.
Um ano depois da tragédia, em 2021, a diversidade de mamíferos e a abundância de animais havia caído pela metade, em média, nos locais mais atingidos.
A conclusão veio do estudo realizado por um grupo de cientistas de 13 instituições, que fez um levantamento de mamíferos de pequeno a grande porte entre agosto e novembro de 2021, na Estação Ecológica (Esec) de Taiamã, no município de Cáceres (MT), região do Pantanal Norte.
Para realização das análises, os cientistas compararam a diversidade e abundância de mamíferos em dois tipos de ambientes: as florestas conhecidas na região como abobral e as florestas de beira de rio. Veja as características de cada uma:
Abobral: ambiente onde predomina a açacurana (Erythrina fusca), uma árvore com estatura de até 30 metros, com flores cor-de-laranja e raízes aquáticas, adaptadas a áreas alagadas;
Florestas de beira de rio: compostas por diversas espécies de árvores e não alagam com frequência.
De acordo com o artigo, publicado em junho na Scientific Reports, o maior impacto das queimadas ocorreu nas áreas de abobral, onde ocorre só uma espécie de árvore. Segundo Marcelo Magioli, primeiro autor do artigo, a riqueza de espécies de mamíferos caiu pela metade, em média, e alguns tipos de animais quase desapareceram.
“Com a passagem do fogo, esse tipo de floresta que é mono-dominante por essa única espécie foi totalmente devastada em alguns pontos. Queimou até pouco mais de um metro abaixo do solo, esterilizando o local. Todas as espécies foram afetadas”, explica.
As análises se basearam em registros feitos por meio de 50 câmeras fotográficas espalhadas na reserva (para animais de médio e grande porte) e amostras de DNA ambiental (para animais pequenos). Com base em imagens de satélite, os pesquisadores mediram a proporção de área queimada em um raio de 1 quilômetro (km) em volta de cada câmera.
Adaptada à água, não ao fogo
As florestas onde predomina a açacurana têm adaptações que permitem ela sobreviver em áreas alagadas. No entanto, essa própria adaptação contribui também para que ela produza muito material orgânico que acaba se tornando combustível para o fogo.
Em 2020, brigadistas foram essenciais no combate ao fogo.
Reprodução
“Se ela for exposta a fogo, o efeito do fogo, que foi uma das nossas hipóteses, seria muito mais drástico do que nas florestas com mais espécies. E foi o que a gente observou”, diz Marcelo.
Com a descaracterização do ambiente pelas queimadas, além do risco dos próprios incêndios, os animais acabam ficando sem abrigo e alimento.
Risco de descaracterização total
O estudo indica que o Pantanal estava se recuperando dos incêndios de 2020, já que todas as 18 espécies de mamíferos de médio e grande porte identificadas antes do incêndio foram encontradas um ano depois.
Um ponto que chamou a atenção dos pesquisadores é que nove espécies que não existiam na Esec Taiamã antes do fogo – como três espécies de veados e a anta, com registros em áreas próximas à estação ecológica – apareceram na estação ecológica.
Mas isso não é necessariamente bom, mas pode ser um sinal que o bioma está se descaracterizando e atraindo espécies de fora. “Após o fogo, parte da vegetação volta a crescer, oferecendo brotos a esses animais que se alimentam de plantas”, diz Magioli.
Algumas espécies de veados, que não existiam na reserva, surgiram depois do fogo
Equipe Marcelo Magioli / USP
Exemplo disso é a aparição do lobo-guará (Chrysocyon brachyurus) e da raposinha (Lycalopex vetulus), habitantes do Cerrado que normalmente não entram no Pantanal, atraídos pela alteração na vegetação, que criou mais áreas abertas.
Carnívoros como onças-pintadas e jaguatiricas, que normalmente vivem em florestas, também foram vistos nas áreas queimadas, provavelmente atrás de presas.
“Nosso artigo levanta um alerta para como apenas um desses eventos de incêndio severo causou uma descaracterização grande. Se esse tipo de evento voltar a se repetir, pode ser que essa resiliência do Pantanal, de conseguir se recuperar após o fogo, pode acabar”, alerta o biólogo.
“O bioma pode acabar se descaracterizando e impedindo a recolonização das espécies mais sensíveis que dependem da floresta”, completa.
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