Cercado por rios e isolado por terra com o resto do Brasil: Amapá tem ponte incompleta há 23 anos com histórico de adiamentos


Único acesso via terrestre é internacional, através da Ponte Binacional, que liga o município de Oiapoque com a Guiana Francesa. Acompanhe vista aérea da ponte sobre o rio jari
Localizado no extremo Norte do Brasil, o Amapá é um dos nove estados que compõem a Amazônia Legal. O estado fica na margem esquerda do Rio Amazonas, o maior em volume de água do mundo, e não possui ligação por terra com o resto do país — é o único estado brasileiro nesta condição.
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A única ponte que liga o Amapá a outras regiões fica no município de Oiapoque, e liga o Brasil a Guiana Francesa: a Ponte Binacional. Ao Sul, em Laranjal do Jari, um projeto de ponte sob o Rio Jari, que faria ligação com o Pará, iniciado em 2001, ainda não foi finalizado.
A ponte com 406 metros de extensão se resume, atualmente, a enormes pilares colocados no rio (imagem acima), dos quais três deles foram danificados após serem atingidos por um barco. A estrutura já consumiu R$ 21 milhões dos cofres públicos. Sem a conexão direta por terra, o transporte constante entre os dois estados é feito por meio de balsas.
O Amapá é totalmente contornado pelos rios Oiapoque, Jari e Amazonas — e pelo Oceano Atlântico, fazendo fronteira com o Pará, com a Guiana Francesa e o Suriname. (Entenda no mapa abaixo)
Amapá é considerado o estado mais isolado do país.
Arte g1
Como chegar ao Amapá e sair dele?
Diferentemente do que acontece na fronteira com a Guiana Francesa, a principal forma de chegar e sair do Amapá é por meio das balsas ou avião. De balsa, a viagem pode ser feita pelo rio Amazonas ou pelo Rio Jari, no Sul do Estado.
Atualmente, pelo Rio Amazonas, é a forma mais comum. As embarcações partem do Porto de Santana, distante cerca de 17 quilômetros da capital Macapá, numa viagem atravessando o Rio Amazonas por dias.
Já pelo sul do Amapá, a viagem é feita a partir do Rio Jari, que separa a cidade de Laranjal do Jari do distrito de Monte Dourado, interior do município de Almeirim, no Pará.
No Jari, uma balsa financiada pelo governo estadual por meio da Secretaria de Estado de Transporte do Amapá (Setrap) faz a travessia de veículos entre ambos os lados. Já o transporte de pessoas é feito por catraias gerenciadas por trabalhadores da região. O caminho percorrido é de aproximadamente 400 metros e realizado em poucos minutos.
Balsa que faz travessia entre os municípios de Laranjal do Jari (Amapá) e Almeirim (Pará)
Rafael Aleixo/g1
Laranjal ficou conhecida pela disparidade na estrutura entre a cidade e o distrito de Monte Dourado, onde funcionava uma fábrica de celulose. Muitos dos moradores do Jari trabalhavam na empresa que, por anos, foi símbolo de uma economia desenvolvida em meio à floresta, e faziam a travessia constantemente.
E com avião? Sem voos diretos para as grandes capitais, quem usa avião como meio de transporte para sair ou chegar no Amapá faz escalas entre Belém e Brasília. A promessa por parte do governo estadual é que, a partir novembro deste ano, quatro voos semanais diretos para Guarulhos (SP) sejam implementados.
Ponte em obras há 23 anos
Iniciada em 2001, a obra da ponte sobre o Rio Jari, à época, era de responsabilidade da Prefeitura de Laranjal do Jari. Paralisada por diversas vezes, inclusive por indícios de corrupção, a obra já dura 23 anos. A estrutura já consumiu R$ 21 milhões dos cofres públicos.
Em 2016, os ex-prefeitos de Laranjal do Jari foram denunciados por desvio de mais de R$ 15 milhões dos cofres públicos. O valor estaria destinado à construção da ponte e teria sido desviado em proveito da empresa que ganhou a licitação para realizar a obra. Todos os oito réus acusados de desviar recursos foram absolvidos.
Após a prefeitura alegar impossibilidade de tocar o projeto, recebendo apoio posterior do governo estadual, em 2019, um acordo na Justiça Federal entre prefeitura de Laranjal do Jari, Governo do Amapá e União prometeu dar continuidade à obra.
Ao g1, a atual gestão municipal informou que não vai se pronunciar sobre o assunto, já governo estadual disse que a responsabilidade da obra é competência do governo federal.
Ponte fica localizada no sul do Amapá e atualmente conta apenas com os pilares em meio ao Rio Jari
Reprodução/William Júnior
Em setembro de 2020, após oito anos parada, um encontro intermediado pela Justiça determinou tratativas para o “destravamento da obra” que, na época, era uma das 96 paralisadas no Amapá, de acordo com o Tribunal de Contas da União (TCU). O valor de R$ 60 milhões foi anunciado para a finalização da ponte.
Após três anos do encontro, em setembro de 2023, com o lançamento do Novo Pac a conclusão da ponte foi integrada ao plano.
Atualmente, a construção faz parte do projeto da Rota da Integração 01, um conjunto de obras de infraestrutura nos municípios de Santana, Laranjal e Oiapoque, anunciado durante visita da ministra do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet, ao Amapá, em maio de 2024. De acordo com o governo federal, serão investidos R$ 10 milhões na obra.
Em nota, o Ministério dos Transportes disse que a ponte sobre o rio Jari, foi contemplada no âmbito do Novo PAC para a elaboração dos projetos necessários para a finalização dos investimentos.
No que se refere às estruturas, o ministério detalhou que, a solução de projeto deve considerar, do ponto de vista técnico e econômico, se haverá viabilidade de aproveitamento, conforme condições de conservação e segurança dos pilares, já que eles foram construídos há duas décadas.
‘Isolamento’ afeta a população?
Fábio Borges, de 46 anos, viu de perto o início da construção da ponte, o amapaense mora às margens do Rio Jari e relembra a esperança que a construção da via causou nos moradores da região.
“Foi um tempo bom, pois gerou muito emprego para Laranjal do Jari e Monte Dourado, e também a gente pensou que ia facilitar o trânsito para quem trabalhava na fábrica de celulose, já que os funcionários iriam poder ir direto de carro ou ônibus” disse Fábio.
Hoje, Borges diz está desacreditado no término das obras, e lamenta o Amapá ser o único estado nessa posição de isolamento terrestre.
“Acho que essa ponte nem vai sair, porque o tanto que já prometeram. (…) O tanto de político que já falou que tinha conseguido verba e nada mudou. Vamos entrar em outra eleição e até agora nada da ponte. Seria bom que terminasse, porque o Amapá é o único estado do Brasil assim”, afirmou Fábio.
Segundo o economista Charles Chelala, a falta de ligação rodoviária com o resto do país influencia diretamente no desenvolvimento econômico do Amapá.
“Quando uma empresa vai tomar uma decisão de onde investir, a questão da infraestrutura é fator decisivo, porque com a ligação rodoviária os produtos chegam mais facilmente e também eles escoam mais facilmente para os outros mercados. Por mais que tenhamos alguns benefícios fiscais, eles não compensam a falta dessa infraestrutura rodoviária que é decisiva”, afirmou Chelala.
O economista pontuou ainda que alguns produtos tendem a sofrer alteração nos preços. “Em relação aos bens que têm maior alta pelo isolamento rodoviário, a gente pode citar os materiais de construção civil, combustíveis e lubrificantes. (…) São produtos importantes e eles acabam impactando em toda a cadeia, aumentando o preço de outros produtos”, destacou Charles.
Por outo lado, no Amapá há área de livre comércio e também benefícios fiscais estaduais vinculados à área de livre comércio, os tributos de alguns produtos são menores que em outros locais.
Em alguns casos, alguns produtos consumidos pela população amapaense são mais baratos, outros não.
Vizinho do Pará
A área ocupada pelo Amapá foi Território Federal até 1988, sendo desmembrado do Pará em 1943. Mas até hoje, a proximidade é sentida nos costumes e expressões compartilhadas.
O mestre em ensino de história, professor Bruno Machado, explica que essas características são fruto de um contexto histórico e geográfico entre os estados.
Vista aérea do Rio Jari, no município de Laranjal do Jari, no Sul do Amapá
Jorge Júnior/Rede Amazônica
“São várias razões que explicam essa semelhança. A ligação geográfica é uma delas. Nós temos proximidade, por exemplo, com o Afuá e Chaves -municípios do interior do Pará-. Então, essa dimensão geográfica ajuda nesse vai e vem entre as pessoas. E pessoas não são só corpos, pessoas são pensamentos, são hábitos, é a maneira de se alimentar e crer. Então, esse trânsito de pessoas também é um trânsito cultural por essa proximidade geográfica”, afirmou o professor.
Machado destaca ainda as diferentes Amazônias existentes no norte do país. A mistura entre os diferentes povos que habitaram esta região por volta de século 19 influencia o que hoje se conhece entre a terra do Tacacá-Pará — e a única capital cortada pela linha imaginária do equador: Macapá.
Do Oiapoque ao Chuí
Durante algumas décadas se pensou que o Oiapoque era o ponto mais ao norte do país, o que foi desmistificado posteriormente – o município de Uiramutá (RR) tem o ponto mais setentrional do Brasil.
Na época surgiu o famoso ditado: “do Oiapoque ao Chuí”, o que fez com que o município amapaense ganhasse pontos turísticos com essas homenagens.
Um dos cartões portais de Oiapoque
Internet/Reprodução
Outra frase conhecida na região é que “quem mora em Oiapoque tem um pé no norte e outro na Europa”, em referência a proximidade com o município francês de São Jorge, na Guiana Francesa.
A ligação entre Oiapoque e a Ponte Binacional fica distante cerca de 600 quilômetros da capital Macapá. Finalizada em 2011, custando cerca de R$ 70 milhões, a ponte sob o Rio Oiapoque é uma cooperação entre o Brasil e a França, com a inauguração em 2017 para a passagem de veículos de passeio.
Ponte binacional na divisa entre o Brasil e a Guiana Francesa, em Oiapoque
Maksuel Martins SECOM/GEA
Além do acesso pela ponte, trabalhadores autônomos fazem a travessia por meio de catraias. Em média, o preço por viagem é de R$ 40. Essa é uma das formas mais populares da travessia, durando cerca de 10 minutos.
A região de Oiapoque concentra cerca de 39 aldeias indígenas e a economia se destaca pela produção de iguarias típicas do norte, como a farinha e tucupi.
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