
Logo nas primeiras cenas da personagem Mara, a atriz Lyvia Cruz, arrancou risadas do público, principalmente o mais jovem: a criançada. A peça não é apenas uma comédia; ela também aborda temas importantes sobre a interseccionalidade de ser mulher e surda.
A principal mensagem que o espetáculo busca transmitir é o sentimento de ser mulher. O corpo feminino da personagem traz essa vivência com uma reflexão cômica e leve. Embora a plateia ria, ela também se sente tocada ao perceber a realidade das mulheres que precisam de maior local de fala.
Lyvia conta que aborda essas relações em forma de poesia e performance, porque a arte também é uma ferramenta poderosa de denúncia e por meio dela é possível dar a visibilidade que muitas vezes é negada à assuntos tão importantes em nossa sociedade.
A artista destaca que as mulheres enfrentam situações difíceis, onde muitas vezes não são ouvidas, e isso se torna ainda mais desafiador para aquelas que têm surdez. Então, ela acredita ser indispensável haver cada vez mais produções que reflitam essa diversidade, para assim conseguir causar o impacto preciso, inclusive no público masculino.
A atração que teve apenas uma sessão faz parte da mostra surda de teatro do 33° Festival de Curitiba, a categoria foi incluída na edição de 2024, visando trazer maior inclusão, acessibilidade e diversidade na arte.
Em entrevista ao “Jornal A Cena”, a diretora do festival, Fabiula Passini, ressaltou a importância da inclusão da Mostra Surda no teatro. Para ela, esse evento cria um espaço valioso para a expressão artística e cultural da comunidade surda, além de incentivar a participação e celebrar a identidade e experiências desse grupo.
Nesse mesmo contexto, a espectadora portadora de surdez Elissane Zimmerman, afirma que embora não tenha sido sua primeira vez em uma mostra surda de teatro, ficou bastante tocada em ver o espetáculo em línguas de sinais.
Segundo ela, a maioria das vezes existe um intérprete somente fora de cena, por conta disso, acontece a exclusão indireta do público surdo, pois acabam sendo privados de ter a experiência completa que somente o teatro em libras pode proporcionar.
Vemos também a relevância da cultura surda, quando segundo ela, se faz necessário pensar em como trazer o lazer cultural para todos os públicos e tratar de forma conjunta ouvintes e surdos,
dois mundos que parecem tão diferentes, mas são totalmente iguais ao mesmo tempo.
“Naturalmente somos todos iguais, fico pensando se esse conceito é realmente certo de ser usado, acho que não é questão de incluir, porque por dentro somos os mesmos, todos seres humanos”, evidenciou a espectadora.
Um detalhe imperceptível aos ouvintes são as músicas que fazem parte da peça, frequentemente as pessoas pensam que é algo desnecessário já que ela é voltada para a comunidade surda, mas as batidas das músicas se mostram presentes, uma vez que também podem ser sentidas pelos surdos.
Além disso, a ideia é trazer a junção dos ouvintes que estão presentes na plateia, para também ampliar a cultura surda.
A Atriz Lyvia faz parte de outras três obras de mostra surda no Festiva de Curitiba: “Vozes Silenciadas”,”A Chapeuzinho Azul” e “A Astronauta Surda Mara”. Segundo ela, o objetivo é valorizar e buscar a compreensão do que é ser surdo para conseguir se comunicar.
Nas quatro peças são abordados vários tipos de pessoas surdas e para a atriz é fundamental trazer essas múltiplas personalidades, em razão de que existem muitas barreiras a serem quebradas, como: olhar nos olhos, escrever, fazer mímicas, e não fugir, esse é também um
dos objetivos principais os quais ela busca transmitir.
A atriz enfatiza a dificuldade de encontrar intérpretes qualificados para trabalhar com a interpretação artística, não apenas a que vemos comumente. É preciso ter ritmo, melodia e várias outras capacidades.
Segundo ela a parceria com o intérprete é muito importante e no seu caso, foi um longo processo até encontrar Grace Kelly, com quem trabalha atualmente.
De acordo com Lyvia, há poucos intérpretes artísticos formados no Brasil, e isso está diretamente relacionado à acessibilidade à arte, um tema que já foi discutido anteriormente.
“Eu espero que a gente cresça com mais profissionais surdos no Brasil, que a comunidade seja mais estimulada e haja mais espaços, porque não tem só a Mara para contar a história”, afirma a parceira Grace Kelly.
Serviço
- Data: Domingo (30)
- Local: Teatro Sesc da Esquina, Rua Visconde do Rio Branco, 969, Centro
- Mostra Surda
- Gratuito
Sthefany Scholze, aluna UP