Conheça Pizzaballa, primeiro cardeal de Jerusalém que pode concorrer a papa

O cardeal Pierbattista Pizzaballa, Patriarca Latino de Jerusalém, é uma figura inconfundível nos corredores do antigo patriarcado de pedra neste canto conturbado do mundo. Ele se move rapidamente, em passos longos e deliberados, as costuras de sua batina preta esvoaçando como as braçadas de um nadador antes de sua chegada.

Ele nasceu em Bérgamo, no norte da Itália, mas depois de 35 anos imerso nas preocupações de seu papel no Oriente Médio, ele diz: “Não tenho ideia do que as pessoas na Itália estão falando a maior parte do tempo”. Sua mãe idosa ainda o liga à sua terra natal.

Um desses tópicos de conversa nos corredores da Cidade do Vaticano é o próprio Pizzaballa. Uma década mais jovem do que os candidatos considerados favoritos, o primeiro cardeal de Jerusalém surgiu, no entanto, como uma possibilidade intrigante, impulsionado aos holofotes pela mesma guerra em Gaza que o compeliu a confrontar questões difíceis sobre fé e humanidade.

“Todo homem de fé tem perguntas, inclusive eu”, disse Pizzaballa em uma entrevista menos de duas semanas antes da morte do Papa Francisco. “Você fica tão frustrado com a situação, e pergunta a Deus: ‘Onde você está?’. ‘Onde você está?’ Então, eu me dou conta e entendo que a pergunta deveria ser: ‘Onde está o homem agora? O que fizemos com a nossa humanidade?’”

“Não podemos considerar Deus culpado pelo que estamos fazendo”, disse ele.

Pizzaballa, que completou 60 anos no mês passado, chegou a Jerusalém aos 25 anos, padre em seu primeiro mês de serviço. Ele cresceu em tamanha pobreza que um dos fatores que o levaram a escolher um ambiente monástico foi o de que sua família teria uma boca a menos para alimentar.

Mas, principalmente, ele foi inspirado por um padre local, que trouxe alegria e vida espiritual ao mundo do menino em crescimento.

Se o público em geral sabia alguma coisa sobre Pizzaballa antes da morte do Papa Francisco, era sobre um gesto que ele considera tão “óbvio” que quase não tem sentido: nove dias após o início da guerra entre Israel e Gaza – e duas semanas após seu mandato como cardeal – ele se ofereceu em troca das crianças israelenses que haviam sido feitas reféns pelo Hamas em 7 de outubro.

Respondendo a uma pergunta em uma ligação telefônica fechada com repórteres do Vaticano, destinada a discutir sua nomeação histórica, Pizzaballa disse simplesmente: “Estou preparado para uma troca, qualquer coisa, se isso puder levar à liberdade, para trazer as crianças para casa… Há total disposição da minha parte.”

Foi uma “pergunta estranha”, ele lembrou, mas sua resposta foi muito séria. “Eu não esperava a reação. Uma reação maravilhosa no mundo, mas não na Palestina”, disse ele à CNN.

“Por que para as crianças israelenses e não para as crianças palestinas? Minha resposta foi… também para elas, estou pronto. Sem problemas.” O que ele disse naquele momento, na ligação com os repórteres, foi “muito ingênuo”, ele reconhece.

No entanto, o fato de que, em meio ao caos e à escassez de liderança que caracterizaram o período de guerra, nenhuma outra figura, política ou religiosa, local ou global, tenha replicado sua proposta reflexiva, é motivo de admiração para ele. Assim como o fato de ninguém em posição de poder ter respondido.

“Neste momento, minha impressão é que a instituição dos líderes está de certa forma paralisada por seu papel”, disse Pizzaballa. “A lição que vejo aqui é que fé e poder não combinam. Se você quer ser livre como líder religioso, precisa ser independente de qualquer tipo de poder, poder econômico, poder político, poder social, seja lá o que for. E não chegamos lá agora.”

No início da guerra, Pizzaballa previu com perspicácia que “a primeira coisa a fazer é tentar obter a libertação dos reféns, caso contrário não haverá como impedir (a escalada)”, acrescentando uma nota de cautela: “Vocês não podem falar com o Hamas. É muito difícil.”

Dezenove meses depois, com Israel prestes a expandir sua guerra e 59 reféns ainda mantidos pelo Hamas, suas palavras parecem proféticas.

Pizzaballa encara suas próprias contradições com naturalidade. O frade franciscano, que dedicou sua vida à noção de uma igreja universal, transita facilmente entre as maiorias judaica e muçulmana em cujo seio construiu sua vida. Como Patriarca Latino de Jerusalém desde 2020, ele lidera católicos que vivem em Israel, nos Territórios Palestinos, na Jordânia e em Chipre.

Tendo vivido quase toda a sua vida adulta em Jerusalém, com um doutorado pela Universidade Hebraica, Pizzaballa consegue se manter genialmente em uma discussão teológica no YouTube, em hebraico fluente, com um rabino ortodoxo israelense, soando para todos como dois velhos vizinhos em um café.

É fácil imaginar o cerebral e esguio Pizzaballa, sobrinho de Pier Luigi Pizzaballa, campeão romano de futebol da década de 1970, como um atleta aposentado que se tornou professor.

No entanto, a fé é a essência de sua vida. Seu novo cardinalato e a guerra o lançaram ao papel pouco familiar de falar tanto por israelenses quanto por palestinos, e especialmente pelos habitantes de Gaza, no Vaticano – sentindo, disse ele, “a necessidade de ser a voz do meu povo para o mundo, mas também a voz da fé para o meu povo”.

A guerra também obrigou Pizzaballa a responder à angústia existencial imediata sobre a própria questão de uma humanidade compartilhada.

“Um dos problemas que temos agora é que tendemos a desumanizar o outro. Você não deveria fazer isso”, diz Pizzaballa, com uma firmeza que silencia a dúvida. “O outro é um ser humano. Seja ele quem for, é um ser humano. Então, você tem que se apegar a isso.”

É fácil, de fora, ver o tempo de Pizzaballa em Jerusalém como marcado pelo conflito. Mesmo antes da guerra atual, ele liderou a Igreja Católica em Jerusalém e além, em pelo menos meia dúzia de outros conflitos. Mas, sem dúvida, ele diz, esta guerra foi a mais difícil, testando seu rebanho e sua fé.

“Perdemos tudo. Perdemos a confiança, perdemos relacionamentos. Muitas famílias perderam empregos. Perderam tudo. Minha comunidade em Gaza perdeu casas e o futuro…”, disse ele, parando em pensamentos.

Pizzaballa visitou Gaza duas vezes desde o início da guerra, uma em maio passado e outra pouco antes do Natal. “O impacto emocional foi muito forte”, reconheceu, com uma “impressão muito, muito forte sobre a situação”.

Foi sua fé que o sustentou. Testado, desafiado, às vezes até questionado, mas mais forte no final, apesar de todas as perguntas ao longo do caminho. E é assim que ele definiria a maior parte de uma vida dedicada à liderança de uma igreja.

“A fé é a única coisa que você pode agarrar, que você pode manter viva em sua vida”, disse ele. E, quando tudo o mais falha, “a fé é uma maneira de transcender a si mesmo, de ir além de si mesmo. Fé é acreditar em outra pessoa.”

Durante suas visitas a Gaza, ele comprava alimentos da comunidade muçulmana em Jerusalém, armazenava-os com uma empresa judaica e os levava aos cristãos no enclave costeiro sitiado.

“Vejo neste mar de escuridão, muitas luzes por toda parte, e é isso que me dá esperança”, disse ele.

A tranquilidade de Pizzaballa consigo mesmo e sua autenticidade conquistaram o coração dos habitantes de Jerusalém. Seus paroquianos, em sua maioria palestinos, veem nele uma afirmação de seus próprios laços ancestrais com as raízes da identidade cristã.

Enquanto se acomodava no sedã preto que o levaria ao Aeroporto Ben Gurion e ao conclave, alguns funcionários do patriarcado e amigos que vieram especificamente para acompanhá-lo naquela ocasião memorável cercaram o veículo e cantaram uma bênção em árabe.

“Senhor, guia seus passos com sabedoria, enche seu coração de espírito e esteja com ele se for sua oração para que ele lidere sua Igreja”, entoavam.

Foi uma despedida terna, beirando um adeus. Pizzaballa, como de costume, não se entregou a nenhum sentimentalismo, encerrando suas breves observações antes da partida com o pedido de que as pessoas orassem por ele e um simples e enérgico “até breve”.

Especialista explica ritos e expectativa para conclave

Este conteúdo foi originalmente publicado em Conheça Pizzaballa, primeiro cardeal de Jerusalém que pode concorrer a papa no site CNN Brasil.

Adicionar aos favoritos o Link permanente.