Para superar o maior desafio da minha vida, coloquei em prática a minha experiência como atleta

Vamos a história. Em agosto do ano passado comecei a sentir dificuldade na minha digestão, os alimentos não caiam tão bem quanto antes e achei que era gastrite. Até que na semana do Natal passei muito mal e já não conseguia mais comer, foi quando apalpei meu estômago e senti uma bola e resolvi ir ao médico. Pela urgência, fiz uma série de exames, mas eu estava no Havaí, onde o sistema de saúde é demorado, e tinha uma viagem marcada com a família (esposa e filhas) para o dia 1º de janeiro para a Austrália.

O resultado não foi bom e o médico me sugeriu cancelar a viagem e, como eu tinha um plano de saúde no Brasil, resolvemos retornar às pressas para fechar o diagnóstico.

Chegando ao Rio de Janeiro fui internado imediatamente e comecei a fazer os exames. A situação estava bem ruim, eu só me alimentava de líquidos e tinha de dormir sentado. Porém, nessa internação iniciei um processo de desinflamação. Em uma semana a gastrite acalmou e desinflamou o sistema digestivo.

Mas daí veio o susto no resultado da biópsia: um tumor de 15 centímetros na parede do abdômen e que já estava expandindo para a parte externa do sistema digestivo, pressionando a parede do intestino. Era câncer. Linfoma não Hodgkin. Imediatamente iniciei o tratamento de quimioterapia para depois de alguns meses fazer um transplante de medula óssea.

Apesar da bomba, senti um certo alívio porque com o diagnóstico poderia me tratar, mesmo com todas as incertezas. A partir daí, comecei a lidar com a situação como sempre fiz na minha vida inteira como um atleta. Coloquei objetivos e usei da minha experiência como atleta profissional para lidar com a doença.

Quando eu foco em uma competição, em um título mundial por exemplo, não falo para ninguém sobre meus treinos. Eu simplesmente faço o que tem que ser feito. E entre essas coisas, geralmente fisicamente exaustivas – como treinar em condições extremas, enfrentar dias de muito frio, ondas ruins, entre outros – e difíceis de vivenciar, eu penso no foco, nos momentos complicados que fazem parte de um processo para um objetivo final maior: a vitória. Apliquei literalmente isso para o meu tratamento. A quimioterapia e tudo mais era parte de um processo para atingir o objetivo final: a cura.

Decidi que quem saberia da minha doença seria apenas a minha família – minha esposa Julli, minha filha mais velha Rafaela e meus pais (Bernard Rajzman, jogador de vôlei olímpico, e a mãe Michelle Wollens, ex-patinadora profissional) – e algumas pessoas bem próximas e ninguém mais. Para não escutar opiniões variadas e até receios e lamentações. Assim consegui manter a minha mente saudável e focada no objetivo final.

Foto – Bernard Rajzman, Phil Rajzman e as filhas Coral e Rafaela – Família ajudou na superação (Crédito: Divulgação

O tratamento é muito, muito doloroso, e não apenas a parte física. Como sou atleta até tenho um limiar de dor alto. Foram seis meses de quimioterapia, com seis sessões pesadas a cada 21 dias, sem contar alguns exames que geravam muito incomodo e dor. Mas essas condições dolorosas fisicamente, não eram o maior desafio. Os efeitos colaterais da quimioterapia são terríveis, porque a medicação mata não só as células ruins, mas as células boas também. Nos dias seguintes ficava destruído fisicamente.

Quimioterapia é pesado mesmo, a cabeça não para, apesar do corpo “destruído”, a cabeça não relaxa igual ao corpo, fica em estado de atenção constante. Por isso sinto insônia, enjoo, mal-estar, euforia, alegria, melancolia….  Com infinitos picos ao longo do dia/noite. Minha cabeça continua intacta, está moleza, foram 33 anos dedicados à competição e a minha mente é uma rocha. Já fisicamente, esse foi o maior desafio da minha vida.

Nesse período, eu também focava em pensar e fazer coisas boas e ficava sentado mexendo na nossa horta, nos dias sem energia. Outra era treinar o Ben, um surfista de 11 anos de idade aqui de Búzios, para o qual faço um trabalho de “coach” há 4 anos. Ele me pediu para começar a participar de competições, então vinha frequentemente em casa, bem cedinho. Isso me animava para ir à praia, sentar na sombra, anotar o que era importante, ver a sua evolução, perceber de perto o quanto ele estava estimulado para competição.

Essa foi uma grande motivação para meu processo de cura. Literalmente me via no Ben, quando eu era criança e comecei no surfe, com todas as curiosidades para a vida. Pude passar os meus conhecimentos da minha trajetória do Circuito Mundial nesse período.   Foi um momento de cura espiritual. Eu sempre busquei esse autoconhecimento durante a minha vida, através da espiritualidade e das viagens pelo mundo. A resiliência e os desafios de um atleta profissional, seja para aprender um novo idioma, adaptar-se à alimentação de cada país, lidar com vitórias e derrotas, foram fundamentais para esse momento de tratamento.

Apesar da situação, eu queria continuar vivendo da forma mais normal possível. E foi o que fiz, com a ajuda da minha família. Nunca tratei o momento como ‘estou doente’, mas sim como ‘estou me tratando’. O fato é que eu não me permitia vitimizar e nem me sentir triste com o que estava passando. Eu tenho muita fé, acredito em uma energia superior.  Agradeci pelo tratamento que recebia, com médicos de excelência. Entreguei nas mãos deles e na de Deus.

Entre uma quimio e outra fiz duas viagens para os EUA, mas uma me marcou. Fui para o Havaí entre a 3ª e 4ª quimio para resolver pendências, pois estava morando lá com a família quando tudo aconteceu. Cheguei durante um dos melhores swell da ilha, amigos me perguntaram por que estava sumido mas não falei sobre a doença enquanto esperávamos a onda. Foi aí que peguei um tubo, não foi como eu gostaria, mas ao atravessar foi uma das melhores sensações dos últimos tempos. A sensação de lavar a alma literalmente e me senti mais vivo do que nunca. Isso foi fundamental para eu voltar para o Brasil e continuar o tratamento.

Foto 2 – Phil aproveitando um swell no Havai, durante o tratamento
(crédito: @dra.liviadugue)

Por incrível que pareça não perdi peso e nem a barba ou pelos do corpo. É certo que ajudaram bastante algumas terapias complementares, como acupuntura e o uso medicinal do Canabidiol (substância química da planta Cannabis sativa) – hoje já bem-conceituado como parte de vários tratamentos de saúde. Seu uso estimulou o meu apetite e me ajudou no sono tranquilo e, também, a manter o peso.

Após seis meses de quimioterapia estava me preparando para a pré-internação antes do transplante de medula óssea e ficaria internado por cerca de 20 dias. E por uns três meses devido à baixa imunidade não poderia ter contato com o público. Eu estava preparado para encarar mais esse desafio de frente.

Agora, em junho, fui fazer os exames (Pet Scan e de sangue) e para minha surpresa algo inacreditável aconteceu: os resultados deram que eu estava 100% bem, nenhuma doença foi detectada, o câncer havia sumido. Os médicos ficaram surpresos com o resultado tão positivo.

Quando a médica disse que eu não precisaria mais fazer o transplante, a minha sensação foi estranha. Todos acharam graça, mas pensei: ‘e agora o que eu vou fazer da minha vida, eu ia internar amanhã e o que farei nos próximos meses?’. Mas assim que a ficha caiu claro fiquei extremamente feliz e ao mesmo tempo ansioso para ter um próximo objetivo. Igual o campeonato que você termina e já tem mais um, e começa a se planejar. Com relação ao tratamento só preciso a partir de agora tomar uma injeção a cada dois meses, nos próximos dois anos. Moleza. O pior já passou com certeza.

O final dessa história foi uma reviravolta igual no começo quando descobri a doença e tive que vir ao Brasil às pressas. Acredito que a minha cabeça, toda a forma com que eu procurei lidar com a doença, contribuiu muito para essa recuperação rápida.

Nos últimos dias, já consegui dar aquela liberada de energia e ir para a água, comemorar e curtir a sensação de felicidade plena. Estou tendo energia novamente para surfar, para estar com minha filha Coral na água e com o Ben. Isso que passei também ajudou a amadurecer a relação com a minha família.

Nesse desafio procurei viver no presente, a valorizar cada momento. Essa é uma coisa que eu aprendi desde novo com os meus pais.  Agora, mais do que nunca entendo que de fato a vida é isso, é preciso aproveitar o convívio com a família, com os amigos, trabalhar no que se ama. E tomar atitudes de uma forma sábia, aprender a perdoar e agradecer.

É muito importante ter fé e acreditar que aquele momento difícil é uma experiência de vida e que algo muito maior vai ser descoberto. Que tudo passa e, de alguma forma, serve para a sua evolução e fortalecimento. Também tentar levar a situação com humor é importante.

Aloha!

*Phil Rajzman é tricampeão mundial de longboard (2007 e 2016 campeão mundial pela World Surf League – WSL e 2004 campeão mundial pela Oxbow Pro), bicampeão Pan-Americano (2007 e 2009) e atleta da elite mundial por 25 temporadas (até 2022). Carioca, 42 anos, foi o primeiro brasileiro a entrar para a história como Campeão Mundial de Surfe, mas no pranchão.

Tem um canal no Youtube (@PhilGood21) e o Instagram e o Facebook @philrajzman

 

 

 

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